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Victor Turner

Victor Whitter Turner (1920-1983) é um antropólogo britânico cujas investigações sobre os ritos em geral e sobre a eficácia dos símbolos nos processos rituais e sociais, em particular, se tornaram referências fundamentais não apenas para a antropologia, mas para as ciências sociais e humanas em geral. Suas contribuições para a teoria antropológica ligam-se, entre outras, às noções de liminaridade e communitas, assim como às ideia de drama social e performance. Sua trajetória acadêmica esteve marcada de perto pela chamada Escola de Manchester, na qual se destaca o nome de Max Gluckman (1911-1975), seu orientador e influência marcante em parte de sua obra.

Nascido em Glasgow, Escócia, Turner graduou-se no University College of London (1949), onde foi premiado com a bolsa de estudos Robert Thompson. Iniciou o bacharelado em literatura inglesa no University College, Londres (1938-1941), deixando os estudos em função da II Guerra Mundial. Retornou à universidade para se formar em antropologia social (1949), realizando seus estudos pós-graduados durante a década de 1950 em Manchester, quando é convidado por Gluckman a desenvolver sua etnografia junto aos Ndembu, população bantu da Zâmbia (antiga Rodésia do Norte), África Central; o trabalho de campo é realizado entre 1951 e 1954, sob os auspícios do Rhodes-Livingstone Institute. Em 1957, publica Schism and continuity in an african society: a study of ndembu village Llife, resultado de seu Ph.D., obtido em 1955. Nos anos 1960, muda-se para os Estados Unidos, atuando como professor na Universidade de Stanford (1961), depois em Cornell (1964), em seguida, em Chicago (1968). No ano de 1977, transfere-se para a Universidade da Virgínia onde permanece até o fim da vida.

Victor Turner (esquerda) recebendo o diploma de doutorado na Universidade de Manchester, 1955. © Família de Victor Turner. Reprodução gentilmente autorizada.

As pesquisas realizadas entre os Ndembu, primeiro sobre organização social e dramas sociais (livro de 1957), em seguida sobre os processos rituais e as categorias do pensamento simbólico resultaram em diversas obras, entre as quais: Ndembu divination: its symbolism and techiques (1967), A floresta de símbolos: aspectos do ritual Ndembu  (1968) e The drums of affliction. A study of religious processes among the ndembu of Zambia (1968). Nos célebres O processo ritual. Estrutura e anti-estrutura (1969) e Dramas, campos e metáforas. A ação simbólica na sociedade humana (1974), ele projeta uma antropologia comparada do ritual, desvendando os mecanismos da eficácia simbólica. Além disso, no livro de 1969, desenvolve dois conceitos imprescindíveis de sua análise: liminaridade e communitas, ambos baseados na noção de rito de passagem tal como cunhada pelo antropólogo francês Arnold Van Gennep (1873-1957).

Os rituais, na concepção turneriana, referem-se a situações produzidas para que a coletividade possa distanciar-se de si mesma e ver-se em perspectiva, tendo função fundamental para a resolução de conflitos e a restauração da vida social. Deste modo, eles seriam lócus privilegiados para a observação de dimensões processuais e conflitivas da estrutura, entendida como conjunto de posições e situações sociais estáveis e regulares. Os símbolos, por sua vez, são definidos como articuladores de percepções e classificações, dotados de dimensão sensorial e ideacional, capazes de impelir e organizar a ação e a experiência humanas. As principais formulações de Turner a respeito da importância do simbolismo ritual e dos processos sociais foram motivadas por sua aproximação com a poesia, com a literatura clássica e com o drama teatral, terrenos com os quais tivera contato em seu período de formação; Edith Turner (1921-2016), atriz e esposa de Victor Turner, é considerada uma das principais responsáveis pelo interesse do antropólogo no teatro. Nas pesquisas etnográficas na África Central, nota-se a presença dessas marcas, como por exemplo no conceito de drama social, forjado para a compreensão de tensões entre princípios contraditórios da vida social. A aproximação do campo das artes se intensifica, na década de 1980 a partir de um diálogo direto com o diretor de teatro e teórico Richard Schechner (1934-), bem como em função da influência de Erving Goffman (1922-1982) e de seu modelo teatral tomado como guia para o estudo do mundo social. Nessa fase de maior contato com as artes dramáticas, observa-se uma multiplicidade de referências em sua obra, como as peregrinações cristãs no México e Irlanda, os gêneros literários e performativos japoneses e o carnaval no Rio de Janeiro, todos eles estilos de performance em sociedades de larga escala, passíveis de compreensão por meio da análise processual.

A produção de Victor Turner repercute em diferentes domínios: nos estudos antropológicos, religiosos, teológicos, literários e folclóricos. O autor teve também papel decisivo na constituição do campo dos performance studies nos Estados Unidos e no Brasil. Na literatura antropológica brasileira especificamente, o diálogo com a obra de Victor Turner dá-se desde a década de 1970, com os estudos de Roberto DaMatta (1936-) sobre ritual, por exemplo, em Carnaval, malandros e outros heróis (1978), desdobrando-se, entre outros, nos trabalhos de Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti e John Dawsey, e em várias instituições brasileiras, que possuem núcleos e centros dedicados aos estudos da performance.

Como citar este verbete:
BORGES, Laís Gomes. 2019. "Victor Turner". In: Enciclopédia de Antropologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de Antropologia. Disponível em: <http://ea.fflch.usp.br/autor/victor-turner>

ISSN: 2676-038X (online)

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data de publicação
28/07/2019
autoria

Laís Gomes Borges

bibliografia

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