instituições
Instituto de Etnologia

O Instituto de Etnologia da Universidade de Paris foi fundado em 1° de agosto de 1925 por Marcel Mauss (1872-1950), Lucien Lévy-Bruhl (1857-1937) e Paul Rivet (1876-1958) como o primeiro centro universitário francês no interior de uma universidade pública voltado exclusivamente ao ensino e à pesquisa etnológica. Na história das ciências sociais francesas, ele correspondeu à mudança institucional e epistemológica ocorrida na antropologia desde a virada do século XIX para o XX em países como a Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos, com a legitimação acadêmica da disciplina e a consolidação de métodos modernos de investigação empírica por meio da etnografia profissional de campo. Sua proposta inovadora atraiu pessoas de formações distintas, entre etnólogos, filósofos e escritores, indicando um amplo impacto na vida cultural e intelectual francesa. No seu interior formou-se um conjunto de etnógrafos que produziu trabalhos de campo inéditos na África, Ásia e Américas, dentre os quais: Marcel Griaule (1898-1956), Georges-Henri Rivière (1897-1985), Alfred Métraux (1902-1963), Michel Leiris (1901-1990), Denise Paulme (1909-1998) e André Leroi-Gourhan (1911-1986).

A criação do Instituto se deu pela fusão da escola francesa de sociologia organizada em torno de Émile Durkheim (1858-1917) – representada por Mauss e Lévy-Bruhl – com a antropologia física conduzida por Paul Rivet no Museu de História Natural, atendendo à necessidade de profissionalização da pesquisa de campo nos estudos antropológicos franceses, atrasados pelo menos vinte anos em relação a outros centros profissionais de pesquisa em antropologia, tais como os de Oxford, criado por E. B. Tylor (1832-1917) em 1896, e da Columbia, instituído em 1899 por Franz Boas (1858-1942). Sua organização foi beneficiada pela vitória do chamado cartel de gauche nas eleições legislativas de 1924 que abriu espaço para que o socialista Rivet exercesse influência junto ao Ministério das Colônias, responsável pelo financiamento do Instituto até essa atribuição ser transmitida ao Ministério da Educação, em 1938. Dessa maneira, o Instituto iniciou suas atividades em janeiro de 1926, com o objetivo de coordenar, organizar e desenvolver estudos etnológicos, em particular aqueles relacionados ao império colonial francês, treinando pesquisadores para esses estudos e para publicação dos seus trabalhos. Assim, foram oferecidos cursos como os de etnologia descritiva, ministrado por Marcel Mauss; de linguística descritiva, por Marcel Cohen (1884-1974); linguística e etnografia da África, por Maurice Delafosse (1870-1926). Para a divulgação das pesquisas feitas na instituição foi criada, nesse mesmo ano, a série de publicações Travaux et memoires de l’Institut d’Ethnologie, responsável pelo lançamento de ao menos quarenta e um trabalhos entre 1926 e 1940, dentre os quais, os resultantes da célebre Missão Dacar-Djibouti, dirigida por Marcel Griaule (1898-1956), e realizada entre 1931 e 1933.

Membros da missão Dakar-Djibouti no museu do Trocadéro, Paris, 1931. Foto por Charles Mallison.A escolha de Rivet para ocupar a cadeira de antropologia do Museu de História Natural, em 1928, fortaleceu o Instituto de Etnologia, permitindo que seus estudantes passassem a trabalhar na organização das coleções do Museu de Etnografia do Trocadéro. Dessas atividades, conduzidas por Rivet e Rivière, surgiram as primeiras iniciativas que culminariam na criação do Museu do Homem (Musée de l’Homme), em 1938. Com a eclosão da 2a Guerra Mundial e a ocupação da França pelos nazistas, em 1940, alguns acadêmicos do Instituto, como Rivet e Métraux, partem para o exílio; Marcel Mauss, de seu lado, é proibido de lecionar em decorrência da perseguição aos judeus, não retornando mais ao ofício. Nessas condições, Marcel Griaule assume a direção da instituição, no interior da qual foi formada uma das primeiras células da resistência ao regime de Vichy.

Ao longo dos anos de 1950 e 1960, novos centros de formação passaram a fornecer certificados em antropologia em solo francês. A Seção de Economia e Ciências Sociais (1947), criada na École Pratique des Hautes Études com subsídios da Fundação Rockefeller passou a oferecer formação na área, seguida pela criação de novas cadeiras de antropologia em outras regiões da França. Dessa forma, o Instituto de Etnologia, então sob a direção de Leroi-Gourhan e Claude Lévi-Strauss (1908-2009), foi perdendo hegemonia tanto na formação de alunos quanto nas publicações na área. Esse processo se intensificaria após os movimentos político- estudantis de maio de 1968 na França, sucedido por ampla reforma universitária. O novo modelo previa unidades independentes de pesquisa e ensino, de modo que o Instituto foi reduzido a um centro de publicações. Em 1973, um decreto extinguiria o Instituto de Etnologia, anexando suas atividades ao Museu de História Natural.

No Brasil, a produção do Instituto reverberou na atuação de Dina Dreyfus (1911-1999) – então Dina-Lévi-Strauss, esposa de Claude Lévi-Strauss (1908-2009) e aluna de Marcel Mauss – ao lado de Mário de Andrade (1893-1945) na Sociedade de Etnografia e Folclore (1936), criada no interior do Departamento de Cultura da municipalidade de São Paulo, então sob a direção do poeta modernista.

Como citar este verbete:
GODOY, Diogo & JOHARI, Terra. 2018. "Instituto de Etnologia". In: Enciclopédia de Antropologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de Antropologia. Disponível em: https://ea.fflch.usp.br/instituicoes/instituto-de-etnologia

ISSN: 2676-038X (online)

[ Acesse aqui a versão em PDF ]

I
bibliografia

ARP/IE/26/ “Projet de création à l’Université de Paris d’un Institut d’Ethnographie,” Conseil de l’Université de Paris, 24 Nov. 1924; “Institut d’Ethnographie: Projet de Statut,” [n.a., n.d.]; M. Le Ministre de l’Instruction Publique à M. le Recteur de l’Académie de Paris, 19 Dec. 1924 In: CONKLIN, Alice, In the Museum of Man: race, anthropology and empire in France, 1850 – 1950, Ithaca, Cornell University Press, 2013

BLANCKAERT, Claude (éd), Le musée de l’homme. Histoire d’un musée laboratoire, Paris, Muséum National d’histoire naturelle, Éditions Artlys, 2015

CLIFFORD, James, “Sobre o surrealismo etnográfico” (1981) In: José Reginaldo Gonçalves (org.), A experiência etnográfica: antropologia e literatura no século XX. Tradução Patrícia Farias. Rio de Janeiro, Editora da UFRJ, 1998

CONKLIN, Alice, In the Museum of Man: race, anthropology and empire in France, 1850 – 1950, Ithaca, Cornell University Press, 2013

DEBAENE, Vincent, L’Adieu au voyage: L’ethnologie française entre science et literature. Paris. Éditions Gallimard. 2010

GAILLARD, Gérald, “Mauss’s students and the Institut d’ethnologie in the interwar years” (1997) In: Gérard Gaillard (ed), The routledge dictionary of anthropologists. Tradução de Peter James Bowman. Nova Iorque, Routledge, 2004

GAILLARD, Gérald, “Institut d’Ethnologie (Paris)”, In: R. Jon McGee & Richard L. Warms (ed.), Theory in social and cultural anthropology, EUA, Sage Publications, Inc. 2013

GAILLARD, Gérald, “Chronique de la recherche ethnologique dans son rapport au centre national de la recherche scientifique 1925 – 1980”, Cahiers pour l’Histoire du C.N.R.S. (éditions du C.N.R.S), n. 3, 1989

KARADY, Victor, “Durkheim et les débuts de l'ethnologie universitaire”, Actes de la Recherche en Sciences Sociales, Vol. 74, septembre 1988, p. 23-32

LAURIÈRE, Christine, Paul Rivet, le savant et le politique, Paris, Publications scientifiques du Muséum national d’histoire naturelle, coll. « Archives », 2008

MONOD, Alan, Le réseau du Musée de l’Homme. Une résistance pionnière, 1940-1942, Paris, Riveneuve éditions, 2015

PAULME, Denise, “Préface à la troisième édition”, In: Marcel Mauss, Manuel d’ethnographie (1947), Paris, Payot, 1989

PEIXOTO, Fernanda Arêas, “Lévi-Strauss no Brasil: a formação do etnólogo”, Mana, vol. 4, n. 1, Rio de Janeiro, 1998, p. 79-107

VALENTINI, Luísa, Um laboratório de Antropologia: o encontro entre Mário de Andrade, Dina Dreyfus e Claude Lévi-Strauss (1935-1938), São Paulo, Alameda/ FAPESP, 2013