Antropóloga indiana, Veena Das nasceu em 1945, no contexto de uma família pobre em Lahore, hoje capital da província de Punjab, no Paquistão, tendo passado a infância em Deli. Aos 16 anos, ingressou na Universidade de Deli para cursar sânscrito, realizando mestrado e doutorado em sociologia na mesma universidade. Suas primeiras pesquisas têm como tema central o parentesco, e colocam em relação rituais hindus, narrativas de mitos, o sistema de castas indiano e textos em sânscrito. A publicação do livro, Structure and cognition: aspects of Hindu caste and ritual (1977), originalmente sua tese de doutorado, é um exemplo da articulação desses interesses. Nos trabalhos seguintes, a compreensão de eventos como a Partição da Índia e os tumultos que se seguiram ao assassinato da primeira-ministra Indira Gandhi, em 1984, deslocam-se das narrativas históricas oficiais para o modo como esses acontecimentos atravessam o cotidiano das pessoas comuns. Critical events: an anthropological perspective on contemporary India (1995) e Vidas e palavras: a violência e sua descida ao ordinário (2007) trazem reflexões etnográficas que relacionam grandes eventos históricos e cotidiano, a partir do exame de narrativas, silêncios e gestos. Em toda a sua obra, observam-se cruzamentos entre etnografia, experiência e processos políticos que assumem formas variadas, mas que se encontram frequentemente relacionados a uma atmosfera violenta, cujos reflexos podem ser encontrados no dia a dia.

Entre o final da década de 1990 e início dos anos 2000, a noção de “sofrimento social” passa a ser o foco dos trabalhos que Veena Das realizou em parceria com antropólogos com formação em medicina, como Arthur Kleinman e Margaret Lock. Em Social suffering (1998), Violence and subjectivity (2000) e Remaking a world (2001), o sofrimento é abordado de maneira a compreender os efeitos do poder político, econômico, social e institucional sobre as pessoas, e também como essas formas de poder influenciam respostas a problemas sociais que envolvem saúde, bem-estar e moralidades. A reflexão sobre sofrimentos e processos políticos retorna na coletânea Anthropology in the margins of the State (2004), organizada em parceria com a antropóloga Deborah Poole.

A produção de Veena Das dialoga com os filósofos Ludwig Wittgenstein (1889-1951) e Stanley Cavell (1926-2018), em função do modo como os conceitos filosóficos ganham sentido nas experiências cotidianas. A interlocução com esses autores se efetiva na atenção dada às experiências dos sujeitos, ao cotidiano e à linguagem. É importante salientar o envolvimento da autora com o Grupo de Estudos Subalternos, desde a sua fundação, em 1982. A principal proposta do grupo consistia em produzir conhecimento a partir da antropologia e da história de um ponto de vista não ocidental, de modo a inverter a premissa de que o Ocidente é o sujeito, e a sociedade indiana, o objeto do conhecimento.

Desde 2001, Veena Das atua como professora do Departamento de Antropologia da Johns Hopkins University, nos Estados Unidos. Continua realizando pesquisa nas periferias de Deli em parceria com professores locais, e atuando no Institute of Socio-Economic Research on Development and Democracy, em Nova Deli, desde 1999. Nos últimos anos, vem conduzindo investigações sobre as relações entre adoecimento, morte e subjetividade, exploradas no livro Affliction (2015). Como em trabalhos anteriores, as experiências relatadas por seus interlocutores, especialmente interlocutoras, associam-se à política, à economia e às políticas públicas. Em sua obra mais recente, Textures of the ordinary (2020), Das retoma questões que permeiam sua trajetória, por exemplo os conceitos de cotidiano e de ordinário. Busca compreender o que denomina “textura do ordinário”, a partir da articulação de materiais distintos - sua biografia, além de textos e materiais etnográficos anteriores (com especial atenção às vozes cotidianas, inclusive não verbais) – e pela continuidade dos diálogos com as filosofias de Wittgenstein e de Cavell.

Nos trabalhos da autora, os caminhos da pesquisa aparecem mediados por narrativas que produzem uma trama de acontecimentos políticos e sofrimentos pessoais, atravessados por reconfigurações de família e de Estado. Dessa forma, seus estudos são uma importante contribuição para compreender, em perspectiva etnográfica e processual, acontecimentos políticos e seus múltiplos e complexos efeitos sobre a vida ordinária.

Como citar este verbete:

LACERDA, Paula; PARREIRAS, Carolina. “Veena Das”. In: Enciclopédia de Antropologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de Antropologia, 2021. Disponível em: https://ea.fflch.usp.br/autor/veena-das

ISSN: 2676-038X (online)

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