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La Rosca de Investigación y Acción Social

La Rosca de Investigación y Acción Social foi um coletivo de pesquisadores-ativistas liderado pelo sociólogo Orlando Fals Borda (1925-2008), fundado na Colômbia em 1971. Atuando junto a organizações camponesas, a setores da classe trabalhadora e a povos indígenas colombianos, o coletivo desenvolveu uma metodologia denominada Investigação de Ação Participativa (IAP) e tem nela um de seus maiores legados. O método, ainda amplamente utilizado, visa produzir transformações sociais e políticas concretas, tendo como norte a ação revolucionária e a construção de conhecimentos não hierarquizados. A IAP tem como definição um compromisso ético e político que busca abolir as assimetrias entre o mundo acadêmico e os movimentos de base através de um trabalho empírico, coletivo, contextual e processual. A defesa do método não pressupõe o uso de técnicas aplicáveis a múltiplos casos; ao contrário, estamos diante de um projeto aberto, deliberadamente inconcluso, que tem como eixos centrais o diálogo entre teoria e prática, a abolição das assimetrias entre pesquisador e pesquisado, a empatia e a associação de formas diversas de conhecimento. 

A metodologia político-científica do coletivo foi influenciada pelo marxismo, pela Teologia da Libertação e pelo pensamento crítico latino-americano, sobretudo pelas ideias do educador brasileiro Paulo Freire (1921-1997). La Rosca adotava práticas pedagógicas apoiadas em saberes e expressões artísticas populares, defendendo uma educação capaz de fornecer caminhos para a consciência de classe e a organização política de grupos socioeconomicamente marginalizados. 

© Ulianov Chalarka, Historia Gráfica de la Lucha por la Tierra en la Costa Atlántica, Fundación del Sinú, Monteria, Colombia, 1972-74.© Ulianov Chalarka 1972-74; Fundación del Sinú, 1985

Sustentada nas noções de “participação”, de “recuperação crítica” e de “devolução sistemática”, os pesquisadores por trás da IAP argumentavam que acadêmicos e ativistas de base deviam estar em pé de igualdade na condução de projetos emancipatórios; acreditavam que o engajamento ativo das comunidades poderia transformar a noção corrente de participação. Propunham, assim, uma pesquisa participante baseada em conhecimento coletivamente construído, que ofereceria ferramentas para fortalecer a ação e resistência de grupos oprimidos. A ideia de recuperação crítica, por sua vez, amparava-se na retomada do conhecimento de feitos passados de modo a reavivar lutas campesinas e indígenas. Finalmente, os resultados da IAP deveriam ser difundidos em uma dinâmica de devolução sistemática, que consistia no retorno dos resultados de pesquisa aos movimentos sociais. Para tal, eram privilegiados meios de comunicação visual e atividades lúdicas, visando um público majoritariamente semialfabetizado. Alguns exemplos são: exibições de filmes e documentários; elaboração de canções; peças de teatro; oficinas; programas de rádios, além da confecção de cartilhas e publicação de colunas de opinião com o objetivo de introduzir uma “cultura leitora” nos militantes.

© Ulianov Chalarka, Historia Gráfica de la Lucha por la Tierra en la Costa Atlántica, Fundación del Sinú, Monteria, Colombia, 1972-74.© Ulianov Chalarka 1972-74; Fundación del Sinú, 1985

O coletivo também publicou livros e quadrinhos, organizou arquivos de fontes históricas populares e ministrou oficinas. Visando a produção de textos acessíveis, La Rosca editou quadrinhos documentais sobre a líder camponesa Juana Júlia Guzmán (1892-1975) ao lado do artista-militante colombiano Ulianov Chalarka (1938-1977), bem como a obra Historia Doble de la Costa, de Fals-Borda, dividida em seções direcionadas à audiência acadêmica e ao público mais amplo. As publicações tinham como propósito reconstruir a história da propriedade privada, da expropriação territorial e da organização de grupos camponeses no Caribe e na América Latina, procurando dar visibilidade a relatos advindos dos próprios ativistas. Valendo-se de diversas formas de linguagem, visava impulsionar a tomada de consciência política de acordo com as práticas e necessidades locais. Os materiais produzidos compunham uma atividade contínua de recuperação da memória histórica dos movimentos, resultado da colaboração entre ativistas e cientistas sociais.

O grupo encerrou suas atividades em 1975, após desentendimentos entre as esquerdas colombianas e conflitos internos à Asociación Nacional de Usuarios Campesinos (ANUC), maior associação camponesa do país. O legado de La Rosca reside no resgate histórico de lideranças populares e no apoio à organização de movimentos sociais colombianos, além do método desenvolvido no seio do coletivo. Ainda que tenha sofrido críticas devido à reduzida participação de ativistas nas pesquisas e à centralidade da figura considerada paternalista de Fals Borda, a abordagem da IAP influenciou os mais diversos campos das ciências sociais, tanto no Norte quanto no Sul Global. Na antropologia, nomes como Joanne Rappaport (EUA, 1953-), Luis Guillermo Vasco Uribe (Colômbia), Davydd Greenwood (EUA, 1942-), Laure Garrabé (França/Brasil) e Carlos Rodrigues Brandão (Brasil, 1940-2023) citam o pioneirismo do grupo como uma influência em suas abordagens colaborativas. O arquivo pessoal de Fals Borda encontra-se no Centro de Documentación Regional do Banco de la República na cidade colombiana de Montería, sendo hoje o maior acervo de memórias sobre o coletivo.

Como citar este verbete:
BARBOSA, Thais Viana; ALMEIDA, Gabriel Lino de; PORPHIRIO, Marinara Allegrine. “La Rosca de Investigación y Acción Social”. In: Enciclopédia de Antropologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de Antropologia, 2024. Disponível em: https://ea.fflch.usp.br/instituicoes/la-rosca

ISSN: 2676-038X (online)

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R
data de publicação
11/07/2024
autoria

Thais Viana Barbosa, Gabriel Lino de Almeida e Marinara Allegrine Porphirio

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