Roy Wagner (1938–2018) é um antropólogo estadunidense conhecido por seus estudos sobre parentesco na Melanésia, especialmente entre os Daribi na Nova Guiné, e sobretudo pela crítica que realiza à noção antropológica de cultura, em A invenção da cultura (1975). Invenção refere-se aí a uma série de convenções (culturais) que motivam a criação de novos símbolos que, com o tempo, tendem a se convencionalizar e motivar novas invenções. Um dos postulados do livro – “todo ser humano é um antropólogo” – trouxe consequências para uma geração de pesquisadores. Wagner mostrou como, em campo, não apenas os antropólogos elaboram suas teorias sobre a cultura estudada, como também os nativos elaboram suas hipóteses em relação ao etnógrafo e ao seu contexto. Decorre daí seu conceito de “antropologia reversa”, que se realiza plenamente quando os pretensos objetos de estudo da disciplina, os nativos, assumem a posição de sujeitos e começam a reivindicar o direito de ensinar os antropólogos e de estudá-los.
Wagner se formou em história medieval pela Universidade de Harvard em 1961 e logo ingressou na Universidade de Chicago para estudar antropologia sob a orientação de David M. Schneider (1918-1995), tendo recebido seu PhD em 1966, com a monografia The curse of souw. Principles of Daribi clan definition and alliance in New Guinea (1967), publicada um ano mais tarde. Realizou seus primeiros trabalhos de campo com os Daribi entre os anos de 1963-1965, e entre 1968-1969, base para sua monografia e para muitos trabalhos futuros, incluindo Habu: The innovation of meaning in Daribi religion (1972), Lethal speech: Daribi myth as symbolic obviation (1978) e para seu artigo “Are there social groups in the New Guinea highlands?” (1974), no qual Wagner propõe uma suspensão das categorias utilizadas até então nas teorias de parentesco, como a de grupo social, para buscar compreender como os próprios Daribi se criam socialmente. Mostrou como os termos utilizados, antes de estarem relacionados com grupos preexistentes, são utilizados, contextual e engenhosamente, para a criação de contrastes e diferenças com os outros. Pode-se dizer que esse interesse acompanhou sua vida e obra: a inventividade nativa em contraste com as classificações e projeções – ou falta de percepção do próprio caráter inventivo – da ciência social ocidental, isto é, tradicionalmente euro-americana.
Entre 1966 e 1968, Wagner lecionou na Universidade de Southern Illinois, e entre 1968 e 1974, na Universidade Northwestern. Em 1974, foi convidado para assumir a chefia do Departamento de Antropologia da Universidade da Virgínia, em Charlottesville, Estados Unidos, onde viveu e lecionou por quarenta e quatro anos, até sua morte. Fez também pesquisa de campo com os Usen Barok (Nova Irlanda) entre 1979 e 1980, e novamente em 1983, relatada em seu livro Asiwinarong: ethos, image, and social power among the Usen Barok of New Ireland (1986).
Leitor e entusiasta de Carlos Castaneda (1925–1998), Roy Wagner ministrou inúmeros cursos sobre sua obra e escreveu Coyote Anthropology (2010), que explora a influência de Castaneda em suas ideias. Conceitos toltecas como o tonal (tudo aquilo que conhecemos, que pode ser nomeado, que lidamos na nossa vida ordinária, em suma, a convenção) e o nagual (aquilo que não pode ser nomeado, o mistério, o intangível, aquilo que embasa a tentativa de nomeação, mas sempre escapa dos significados) fundamentaram boa parte da dialética (convenção/invenção) wagneriana. O método explicativo do Don Juan, principal interlocutor e mentor de Castaneda, que torcia os significados e a compreensão do mundo ordinário por meio do humor, tropos e metáforas, foi inspiração para o próprio Wagner, que sempre se preocupou com o papel dos símbolos, signos e significados. Em seu último livro publicado, The Logic of invention (2019), Wagner explora ainda mais o papel constitutivo da invenção para as sociedades humanas, buscando mostrar como o significado e a objetivação são formas de criar realidades a partir de fenômenos que são intangíveis e dependentes de uma perspectiva. Para o autor, as realidades são criadas a partir de processos sempre inventivos de significação.
A obra de Roy Wagner teve uma influência fundamental nas teorias de parentesco, principalmente entre os chamados melanesistas, especialmente entre Marilyn Strathern (1941–) e James Weiner (1950–2020), e também em autores mais engajados com a chamada “virada ontológica”, como Martin Holbraad e Morten Axel Pedersen. No Brasil, foi recuperada, entre outros, por Eduardo Viveiros de Castro (1951–) e Márcio Goldman (1957–), e estudada detalhadamente por Iracema Dulley, que publicou um livro, resultado de sua tese, sobre o autor. Apesar de sua obra mais conhecida e traduzida (francês, espanhol, português, italiano, japonês), A Invenção da Cultura (1975), ter demorado mais de trinta anos para receber uma versão em português, as ideias ali expostas têm ganhado cada vez mais força no país, principalmente a partir das leituras de Viveiros de Castro, e de certa antropologia contemporânea que encontra em Wagner um dos precursores de um movimento que busca estabelecer uma igualdade epistemológica entre conhecimento nativo e antropológico.
Como citar este verbete:
CARAVITA, Rodrigo Iamarino. “Roy Wagner”. In: Enciclopédia de Antropologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de Antropologia, 2022. Disponível em: <http://ea.fflch.usp.br/autor/roy-wagner>
ISSN: 2676-038X (online)
Rodrigo Iamarino Caravita
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