O termo monumento origina-se do latim monumentum, derivado de monere, que significa “lembrar” ou “advertir”. Em geral, refere-se a algo erigido em memória de um evento ou de alguém, convertendo-se num marco temporal e espacial significativo para uma coletividade. No século XIX, os monumentos tornaram-se um tema de relevo entre arqueólogos, arquitetos e historiadores empenhados na reconstituição de civilizações antigas. Na nascente antropologia, eles ocupavam posição ambivalente: eram vistos como vestígios importantes, mas não constituíam objeto de teorização específica. Dotados de longa história, nos últimos anos os monumentos se tornaram alvo de renovado interesse. Questionam-se suas formas e os usos canônicos que colocam na sombra do esquecimento a memória dos explorados, perseguidos e marginalizados, razão pela qual a antropologia vem sendo convocada a tomar parte das discussões sobre monumentos, patrimônio e espaço público.
O estudo de monumentos entre povos não ocidentais aparece em obras como Aboriginal monuments of the state of New-York (1849), do norte-americano Ephraim George Squier (1821-1888), que analisou sítios arqueológicos indígenas dos Estados Unidos, além de Anahuac or, Mexico and the Mexicans, ancient and modern (1861), do antropólogo britânico Edward Burnett Tylor (1832-1917), sobre monumentos pré-hispânicos, como as pirâmides de Teotihuacan, e sua justaposição a outros, do período colonial. Mais tarde, em Notes and queries on anthropology (1899), Tylor aconselhava pesquisadores-viajantes a observarem a existência de monumentos como antigas sepulturas e espaços rituais.
Sob outro enquadramento teórico, os monumentos funerários integraram o estudo do sociólogo francês Robert Hertz (1881-1915), Contribution a une étude sur la représentation collective de la mort (1907). Quase na mesma época, seu conterrâneo Henri Hubert (1872-1927) atuava como arqueólogo e antropólogo no Museu das Antiguidades Nacionais, pesquisando monumentos pré-históricos de várias partes do mundo. Neste e em outros museus, monumentos e ruínas arquitetônicas foram considerados evidências materiais que permitiam deduzir formas de vida de civilizações do passado, como peças de um quebra-cabeça histórico.
Na França, desde a criação da Comissão dos Monumentos Históricos, em 1837, as práticas de restauração e conservação enfatizam o valor artístico e histórico dos monumentos, enquadrando-os como locais e obras importantes para o patrimônio nacional. Segundo a historiadora francesa Françoise Choay (1925-2025), em Alegoria do patrimônio (1992), além do valor de antiguidade cultivado desde o Romantismo, o nascimento do conceito moderno de monumento histórico foi influenciado pelo desejo de preservação de marcos do passado nacional, após o impacto da destruição iconoclasta durante a Revolução Francesa.
O interesse pelo tema na Europa refletiu-se na publicação de O culto moderno dos monumentos: a sua essência e a sua origem (1903), do historiador de arte Aloïs Riegl (1858-1905), então presidente da Comissão de Monumentos Históricos da Áustria. Nessa obra, ele distingue “monumento” de “monumento histórico”: o primeiro sendo toda criação humana intencionalmente voltada à preservação da memória, tendo sua função definida a priori; enquanto o segundo se refere a coisas que só adquiriram tal valor com o passar do tempo, sendo posteriormente reconhecidas como artefatos que testemunham a história. Neste caso, quanto mais preservada estiver sua feição original, maior será o seu valor histórico.
No Brasil, o conceito de monumento liga-se às ideias de preservação de obras de sentido histórico para a nação, com efeito positivo à afirmação da identidade nacional, sobretudo àquelas ameaçadas de desaparecimento. Nos anos 1920, após viajar pelas cidades antigas de Minas Gerais, figuras do modernismo paulista, como Mário de Andrade (1893–1945), Tarsila do Amaral (1886-1973), Oswald de Andrade (1890-1954) e o suíço Blaise Cendrars (1887-1961), lamentaram o estado de ruína de igrejas barrocas e de construções do período colonial e, em reação, propuseram a criação da Sociedade dos Amigos dos Monumentos Históricos do Brasil. Apesar de não se efetivar, a proposta estava em sintonia com ideias correntes na época, que aventavam a defesa de outras cidades com valor de patrimônio nacional. Em 1927, a Bahia criou sua Inspetoria Estadual de Monumentos Nacionais, seguida pela de Pernambuco, no ano seguinte.
Na década de 1930, o governo federal classificou Ouro Preto como Cidade Monumento Nacional, a primeira no país, e fundou a Inspetoria de Monumentos Históricos, definindo parâmetros de restauro e conservação da arquitetura brasileira. A Inspetoria foi substituída pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN, atual IPHAN), em 1937, quando sítios históricos e monumentos foram classificados como patrimônio nacional. A história da preservação dos monumentos e do patrimônio brasileiro foi narrada por Rodrigo Melo Franco de Andrade (1898-1969), diretor do SPHAN entre 1937 e 1967, em Brasil: Monumentos Históricos e Arqueológicos (1952). Naqueles tempos, a noção de monumento ligava-se apenas a obras consideradas esteticamente excepcionais, segundo os parâmetros da história da arte ocidental e da história nacional oficial.
O questionamento dessa perspectiva demoraria décadas para se consolidar. Em Monumentos negros: uma experiência (2005), o antropólogo brasileiro Ordep Serra (1943-) relata a campanha pelo tombamento do Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho, em Salvador, nos anos 1980. A iniciativa derivou do projeto de Mapeamento de Sítios e Monumentos Religiosos Negros da Bahia, que visava ampliar a noção de patrimônio para além da herança católica, identificando artefatos de terreiros que tivessem significado histórico e cultural. Desde então, a participação de antropólogos nos conselhos consultivos do IPHAN foi determinante para a ampliação do reconhecimento de patrimônios não coloniais e não europeus, incluindo os indígenas e afro-brasileiros. Vale destacar a atuação do antropólogo Antônio Augusto Arantes (1943-), presidente do IPHAN entre 2004 e 2006, quando foi implementado o Departamento de Patrimônio Imaterial e o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial deste órgão.
A redefinição intelectual e política dos monumentos ajuda a observá-los como fenômenos sociais complexos, sempre em disputa. Ainda que, há tempos, monumentos sejam atacados em vários lugares do mundo, recentemente, a contestação e reapropriação de monumentos urbanos deu nova visibilidade à crítica das violências históricas sofridas por coletivos e identidades minoritárias (étnico-raciais, religiosas, sexuais, diaspóricas etc.). Por outro lado, indica o norte-americano James Young, em The counter-monument: memory against itself in Germany today (1992), o cânone da forma monumental (perenidade, autoridade e grandiosidade) e seu uso mnemônico no espaço público têm sido repensados, dando espaço à criação de “contramonumentos” que estimulam a crítica histórica e a participação social.
Atenta às transformações dos monumentos, a antropologia passou a observar como instituições e comunidades diversas os utilizam e ressignificam. No Brasil, estudos atuais como “O Cristo Pichado: sacralidade e transgressão de um monumento urbano” (2013), de Emerson Giumbelli, e “Fogo e luz sobre os monumentos: um horizonte de debates candentes” (2023), de Edilson Pereira, Roberto Conduru e Thaís Waldman, defendem que a “monumentalidade” é um conceito que transcende o artefato físico e que as práticas a ela associadas devem ser interpretadas em chave etnográfica e histórica. A ação de (re)criar monumentos pode ser entendida como uma maneira de tentar domesticar a história, atribuindo a ela um espaço que a represente e concretize, ensina o antropólogo francês Daniel Fabre (1947-2016), em seu artigo “L’ethnologie devant le monument historique” (2000).
Como citar este verbete:
PEREIRA, Edilson; WALDMAN, Thaís. “Monumento”. In: Enciclopédia de Antropologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de Antropologia, 2025. Disponível em: https://ea.fflch.usp.br/conceito/monumento
ISSN: 2676-038X (online)
Edilson Pereira e Thaís Waldman
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