conceito
Paisagem - Tim Ingold

Desenvolvida por Tim Ingold (1948-) ao longo de sua obra a partir da leitura de etnografias variadas e de trabalhos de ciências humanas, naturais e da filosofia – em particular de Jakob von Uexküll (1864-1944), Martin Heidegger (1889-1976), James Gibson (1904-1979) e Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) –, a noção de paisagem (landscape) é pensada a partir de inúmeros processos que se verificam na passagem do tempo, na forma de registros duradouros de vidas e da atividade de gerações de seres, incluídos aí seres humanos, animais e plantas, assim como ciclos geológicos e atmosféricos. Paisagens estão intimamente relacionadas à temporalidade; são histórias e nos oferecem modos de contar histórias mais profundas sobre o mundo. Mas “temporalidade” não se confunde com “cronologia”, sucessão regular de um tempo vazio e quantitativo, ou com a “história”, entendida como série variada de eventos qualitativos que nunca se repetem; perceber a paisagem, para Ingold, corresponde a um ato de memória, relacionado ao engajamento e à circulação em um ambiente impregnado de passado.

No artigo “Temporalidade da paisagem” (1993), republicado na coletânea The perception of the environment (2000), o autor aprofunda sua crítica à oposição entre natureza e cultura, conceitos fundantes do pensamento moderno. O primeiro, referido às “paisagens naturalistas”, indicaria uma realidade dada, compreendida pelas ciências naturais e pela cartografia. O segundo, relacionado às “paisagens culturalistas”, como na coletânea dos geógrafos Stephen Daniels e Denis Cosgrove (1988), refere-se às imagens mentais e símbolos sobre o espaço, objetos de estudo das ciências humanas. A paisagem, em seus termos, não indica um mundo externo e acabado, independente dos seres que o habitam, tampouco imagens ou ideias sobre ele. Vivendo nas paisagens, nós as produzimos, tanto quanto somos produzidos por elas, por meio de processos materiais e cotidianos.

Para definir a paisagem, Ingold constrói paralelos entre práticas e conhecimentos de arqueólogos e de grupos com os quais os antropólogos trabalham, tais como os caçadores e criadores de renas da Lapônia (norte da Europa), com quem ele realizou seu trabalho de campo. Pensando nesses engajamentos cotidianos com seres, sinais do passado e o mundo, o autor busca um caminho distinto daqueles adotados por alguns geógrafos e historiadores de iconografia e arte, como por exemplo Peter Gould e Rodney White (1974), Stephen Daniels e Denis Cosgrove (1988), que tendem a definir o conceito como sinônimo de “terra”, “natureza” ou “espaço”. A noção distingue-se de “terra”, categoria quantitativa e homogênea, em função de sua especificidade: cada paisagem é única, composta ao longo de sua história por texturas, contornos e elementos variados. Diferencia-se também de “natureza”, categoria que pressupõe uma realidade exterior aos seres que a compõem, e que se oporia à “cultura”, entendida como domínio das imaginações e representações. Contrapõe-se, ainda, a “espaço”, noção que costuma ser associada à visão distante de um observador onisciente, tal como aquela implicada na Cartografia, com suas imagens estáticas, silenciosas e vazias do mundo e, como tal, diferente dos saberes e práticas produzidos nos engajamentos na (e com) a paisagem, sempre situados e em transformação. Com o auxílio dessas distinções, Ingold propõe uma caracterização positiva da paisagem referida ao mundo e pensada do ponto de vista daqueles que o habitam e o produzem, assim como dos lugares e percursos. Paisagem poderia ser aproximada à noção de “ambiente”, mas ele evita adotar o termo, por sua habitual associação à imagem de um mundo acabado, produzido por processos abióticos (como a geologia) e ocupado por seres vivos (que, do ponto de vista da biologia genética, também estariam prontos).

Pieter Bruegel, o Velho, A Colheita, 1565. Óleo sobre tela, 116,5 x 159,5 cm. Metropolitan Museum of Arts, New York. Imagem em domínio público.

De modo a guiar os leitores na compreensão de sua formulação, Ingold cria o neologismo “tarefagem” (taskscape), distinto do conceito de “trabalho”, categoria da economia e que o antropólogo considera quantitativa e homogênea. “Tarefa” estaria ligada aos diferentes atos de viver, sentir, perceber e se deslocar no mundo, todos esses atos situados, qualitativos e heterogêneos, produzidos por diversos agentes em relação (e em) resposta a atos e processos de outros agentes e da paisagem. ‘Paisagem’ e ‘tarefagem’ emergem das mesmas correntes de atividades, sendo, portanto, inacabadas e em perpétua construção. Para exemplificar a ideia, ele analisa o quadro A colheita (1565) do pintor holandês Pieter Brugel, o Velho, como se estivesse no interior da paisagem, olhando ao redor de si mesmo. Com isso, o autor segue as transformações e os processos produzidos pelos atos de habitar, marcados pelos ritmos e ciclos sociais, biológicos, geológicos, em ressonância uns com outros. A paisagem “encorpora” (embody) ciclos, movimentos, feições e vidas na forma de características duráveis, como vales, montes, caminhos, padrões de vegetação e urbanização, árvores, rios etc. O antropólogo destaca, assim, que qualquer oposição entre o que seria “animado” e “inanimado” perde de vista o fato que até mesmo os ciclos geológicos são processos vivos se considerados em outras escalas de tempo (uma paisagem somente parece constante ou imutável na curta duração da escala humana). A noção foi retomada e redefinida no artigo “Paisagem ou mundo-tempo?”, de sua coletânea Estar vivo (2011), em que critica sua primeira formulação, que desconsiderava o céu e a atmosfera como partes integrantes da paisagem. A paisagem não é estática nem constante, graças ao vento, chuva, calor, frio (que denominamos “tempo” - weather), que tampouco estão acima das paisagens. As superfícies materiais estão imersas no meio fluido que ele denomina mundo-tempo (weather-worlds), sendo impossível percebê-las sem os fluxos do meio luminoso, dos deslocamentos dos sons, calor e umidade que constituem o que convencionamos chamar de “atmosfera”.

O conceitual ingoldiano constitui uma referência para trabalhos etnográficos e historiográficos no campo da antropologia da paisagem. Em função das suas reflexões, paisagem passou a ser considerada não mais como cenário externo acabado ou como imagens mentais, mas como um mundo produzido e em contínua transformação, analisado conjuntamente com ações e movimentos humanos e não humanos. Como exemplos das repercussões de suas ideias é possível mencionar as coletâneas publicadas no Reino Unido, organizadas por Eric Hirsch e Michael O’Hanlon (1995); por Monica Janowski e Tim Ingold (2012); por Arnar Árnason, Nicolas Ellison, Jo Vergunst, Andrew Whitehouse (2012); e no Brasil, por Marta R. Amoroso e Gilton Mendes dos Santos (2013). Entre antropólogos brasileiros, o conceitual produziu um campo de experimentação interessante para a história indígena e a etnologia, de maneira a dar corpo e história às produções e circulações de povos indígenas em seus engajamentos no (e com) o mundo, com a flora e a fauna.

Como citar este verbete:
BAILÃO, André S. “Paisagem - Tim Ingold”. In: Enciclopédia de Antropologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de Antropologia, 2016. Disponível em: <http://ea.fflch.usp.br/conceito/paisagem-tim-ingold>

ISSN: 2676-038X (online)

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data de publicação
12/12/2016
autoria

André S. Bailão

bibliografia

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