obra
Anthropology and development

Último livro da antropóloga britânica Lucy Mair (1901-1986), Anthropology and development [Antropologia e desenvolvimento] (1984), analisa como os antropólogos podem contribuir para os projetos de desenvolvimento em países considerados menos desenvolvidos, os LDCs (less developed countries), especialmente nas antigas colônias britânicas do continente africano. Pouco conhecida – ao contrário de Primitive government (1962), monografia célebre da autora situada no campo da antropologia política, que descreve a inserção do Império Britânico na África Oriental – a obra contribui para uma reflexão a respeito da antropologia realizada fora da academia, do trabalho de mulheres antropólogas, da produção de políticas públicas e da ação de agentes internacionais para o desenvolvimento. Mair foi formada por Bronislaw Malinowski (1884-1942), na London School of Economics (LSE), para atuar na antropologia aplicada e pesquisar questões de mudança social, tema caro ao debate sobre o colonialismo.

O livro é sintético, composto por dez capítulos divididos tematicamente, correspondentes a aspectos que os policy makers (agentes das políticas de desenvolvimento, ligados à administração pública ou a organizações econômicas internacionais) devem considerar acerca de seus “beneficiários”, as populações diretamente afetadas pelos projetos. Nos diversos capítulos da obra, Mair defende que a participação de antropólogos, sobretudo das antropólogas, em projetos de desenvolvimento é fundamental para que os modos de vida das populações sejam levados em conta, pois essas especialistas poderiam enxergar problemas insuspeitos ao descreverem os sistemas de parentesco e os direitos sobre a terra, dedicando-se principalmente às mulheres, à divisão do trabalho e à distribuição da renda familiar.

Karin Retief, Uma vila tonga próxima à Barragem Kariba, 2003. Fotografia digital. International Rivers / Flickr. Licença de reuso não-comercial com atribuição  (CC-BY-NC-SA 2.0)

O material analisado no livro consiste em relatórios de organizações internacionais e etnografias, por exemplo o caso de Thayer Scudder (1930-) e de Elizabeth Colson (1917-2016) entre o povo Gwembe Tonga, deslocado compulsoriamente pela construção da barragem Kariba, projeto de geração de energia hidrelétrica no rio Zambeze, entre a Zâmbia e o Zimbábue. O argumento central é que a antropologia fornece um conhecimento técnico para a implementação de projetos de desenvolvimento, ampliando as chances de sucesso dos empreendimentos entre as populações locais. O décimo capítulo intitulado “Envoi” encerra a obra como um epílogo, enfatizando os pressupostos que sustentam os objetivos comuns a todo desenvolvimento: aumento da produtividade econômica mundial, diminuição da pobreza e melhoria da qualidade de vida da população.

O desenvolvimento é definido pela autora como o processo de mudança, avanço e incremento das condições de vida, medido de acordo com o crescimento econômico nacional e o aumento da renda familiar. Ela mostra como os chamados países desenvolvidos financiam cooperações e agências internacionais para “ajudar” (aid) os menos desenvolvidos, reconhecendo os interesses políticos e econômicos implicados na ideia de desenvolvimento, que se tornava uma indústria economicamente lucrativa para os investidores, gerando dependência aos “beneficiários”. A obra defende o desenvolvimento combinado a reformas econômicas e sociais por meio de medidas jurídicas e do aperfeiçoamento técnico, a exemplo de uma reforma agrária a ser guiada pelos governos, como alternativa às transformações revolucionárias. Em função de uma abordagem centrada em inovações tecnológicas no campo, a noção de desenvolvimento indicada por Mair associa modernização e urbanização.

Anthropology and development não obteve grande repercussão. Trata-se de uma obra tardia da antropologia aplicada ligada ao imperialismo britânico, publicada em um período de intensificação das críticas aos vínculos entre atividade colonial e prática antropológica. A atuação de Mair é destacada nessa área, que até meados do século XX era considerada mais adequada às antropólogas, enquanto o trabalho acadêmico e a pesquisa de campo de longa duração eram exercidos preferencialmente pelos antropólogos. O livro contribui para identificar transformações históricas precisas, como a influência crescente de organizações internacionais na economia, as implicações de políticas globais em escalas locais e a atenção às desigualdades de gênero no interior do trabalho antropológico. Na antropologia brasileira, a obra foi analisada sob a perspectiva das políticas públicas.

Como citar este verbete:

MARCURIO, Gabriela de Paula. “Anthropology and development”. In: Enciclopédia de Antropologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de Antropologia, 2021. Disponível em: https://ea.fflch.usp.br/obra/anthropology-and-development

ISSN: 2676-038X (online)

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a
data de publicação
14/12/2021
autoria

Gabriela de Paula Marcurio

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