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Curt Nimuendajú

Curt Nimuendajú (1883-1945) é considerado o maior especialista dos povos indígenas no Brasil na primeira metade do século XX e um personagem chave na constituição da antropologia brasileira. Quatro décadas dedicadas à etnologia indígena e trinta e quatro pesquisas de campo realizadas com cerca de 50 grupos indígenas representam os ingredientes principais de sua biografia. Embora autodidata e sem formação acadêmica, os trabalhos e contribuições de Nimuendajú são amplamente reconhecidos no meio acadêmico contemporâneo, em antropologia e áreas afins.

Autoria desconhecida, Curt Nimuendajú, Museu de Gotemburgo, c. 1927-1945. Carlotta Databasen för museisamlingar.

Nimuendajú nasceu como Curt Unckel em 17 de abril de 1883 na cidade de Jena, Turíngia, Alemanha. Órfão de pai e mãe nos primeiros anos de vida, cursou o ginásio e ingressou como operário especializado em uma empresa de instrumentos óticos. Dedicou-se a leituras de obras geográficas e etnológicas na biblioteca popular da empresa e aos 20 anos emigrou para o Brasil com ajuda financeira de sua meia-irmã Olga Richter. Com moradia em São Paulo, conseguiu estabelecer os primeiros contatos com indígenas em 1905, participando de uma expedição da Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo (CGGSP). Unckel abandonou a expedição e conseguiu se juntar a um grupo de Apapokuva-Guarani, com o qual conviveu de 1905 a 1907. Sendo adotado por uma família indígena, recebeu o nome Nimuendajú, que começou a usar em seus primeiros trabalhos publicados, a partir de 1908. Em novembro de 1925, casou-se com a potiguar Jovelina Nascimento e em janeiro de 1926 ganhou a cidadania brasileira, com registro oficial do sobrenome indígena.

De 1909 a 1910, foi contratado pelo Museu Paulista, mas em 1910 entrou no Serviço de Proteção aos Índios (SPI) logo após sua criação. Em 1913, ainda como servidor do SPI, mudou-se para Belém, onde fixaria residência até o falecimento. Logo estabeleceu contatos com o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), sobretudo com sua diretora, Emilie Snethlage (1868-1929), a qual intermediou os contatos com os meios acadêmicos alemães, o que possibilitou a publicação de seu primeiro trabalho científico, a conhecida monografia As lendas da criação e destruição do mundo como fundamentos da religião dos Apapocuva-Guarani, em 1914, na conceituada Zeitschrift für Ethnologie (Berlim). Depois de sua demissão pelo SPI, em 1915, começou sua odisseia de trabalhos temporários mal remunerados até o final da vida, mas também a lenta consolidação de sua fama e prestígio como especialista em culturas e línguas indígenas.

De 1916 a 1919, viveu nos seringais dos rios Iriri e Curuá e conseguiu realizar pesquisas etnográficas e linguísticas sobre os Xipaya e Kuruaya. Em 1922 e 1923, estabeleceu os primeiros contatos não belicosos com os Parintintin da região do Maici-mirim. De 1923 a 1927, realizou escavações arqueológicas no baixo Tapajós e na Ilha de Marajó para o Museu de Gotemburgo, na Suécia, naquela época sob a direção do barão Erland Nordenskiöld (1877-1932), mas também uma pesquisa de campo entre os Palikur. De 1928 a 1930, organizou duas expedições para os museus etnológicos de Leipzig, Dresden e Hamburgo. Em 1934, visitou pela primeira e última vez a Europa depois de emigrar, passando um semestre em Gotemburgo. Em 1934/35, iniciou o período de cooperação com instituições americanas, que consolidou definitivamente sua reputação internacional como etnógrafo. A cooperação, e divisão de trabalho (teórico – pesquisador de campo), com o antropólogo norte-americano nascido na Áustria, Robert Lowie (1883-1957), professor da Universidade da Califórnia, Berkeley, é singular na história da antropologia. Lowie enviou as questões de pesquisa e cuidou dos auxílios financeiros, enquanto Nimuendajú foi ao campo e escreveu as etnografias posteriormente publicadas nos EUA, traduzidas e editadas por Lowie. Os dois nunca se encontraram pessoalmente.

Nimuendajú faleceu em 10 de dezembro de 1945 em Santa Rita do Weil, município de São Paulo de Olivença, Alto Solimões, Amazonas, durante sua quarta estadia entre os Ticuna. A causa de sua morte nunca foi esclarecida, abrindo espaço para diversas especulações. O casal Nimuendajú não teve filhos, Jovelina só faleceria em 1972, em situação de indigência.

A vida e obra de Nimuendajú mostram que suas atividades profissionais abrangem cinco áreas: etnologia, linguística, arqueologia, colecionismo e indigenismo. O engajamento em assuntos da política indigenista faz parte de toda a sua vida de 1910; a etnologia indígena, a partir de 1914. Em sua obra destacam-se as monografias etnográficas (sobre os Apapokuva-Guarani, Xipaya, Palikur, Apinayé, Xerente, Canela Ramkokamekrá e Ticuna) e os trabalhos linguísticos. Seu espólio acadêmico e privado foi adquirido postumamente pelo Museu Nacional, mas a parte documental (correspondências, diários, manuscritos e fotos) foi destruída com o incêndio de 2018. Diversas coleções etnográficas organizadas por ele e uma parte de sua correspondência encontram-se em museus e universidades nacionais e estrangeiros. Há um corpus bibliográfico consolidado sobre vida e obra de Nimuendajú, no entanto o interesse por sua biografia voltou a crescer a partir de 2000, com a publicação de partes de sua correspondência.

Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Fundação Nacional Pró-Memória. Mapa Etno-Histórico de Curt Nimuendajú. Rio de Janeiro: IBGE, 1981. Mapa.

Até a década de 1980 prevaleciam narrativas heroicas sobre Nimuendajú. A partir dos anos 1990, os estudos, baseados na avaliação de suas correspondências e outros documentos, tornaram-se mais diferenciados, colocando no centro da atenção suas relações com a etnologia alemã, suas atividades colecionistas e as redes transnacionais de pesquisadores de que fazia parte.

Como citar este verbete:
SCHRÖDER, Peter. “Curt Nimuendajú”. In: Enciclopédia de Antropologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de Antropologia, 2023. Disponível em: https://ea.fflch.usp.br/autor/curt-nimuendaju

ISSN: 2676-038X (online)

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bibliografia

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