autor
Davi Kopenawa

Davi Kopenawa é xamã e líder político do povo Yanomami, presidente da Hutukara Associação Yanomami, ativista na defesa dos povos indígenas e da floresta amazônica, além de autor, roteirista, produtor cultural e palestrante. É uma das lideranças intelectuais, políticas e espirituais mais importantes no panorama contemporâneo de defesa dos povos originários, do meio ambiente, da diversidade cultural e dos direitos humanos, com reconhecimento nacional e internacional. É também autor da obra A queda do céu – palavras de um xamã yanomami (2010), em coautoria com o antropólogo francês Bruce Albert.

© Daniel Klajmic/Prodigo. Retrato do Davi Yanomami, 2019. Reprodução gentilmente autorizada à Enciclopédia de Antropologia (EA) pelo Instituto Socioambiental (ISA), pelo autor e por Davi Yanomami. Todos os direitos reservados. © Daniel Klajmic/Prodigo, Instituto Socioambiental, 2019.

Davi Kopenawa nasceu por volta de 1956 na vila Yanomami de Marakana, ao longo do alto do rio Toototobi, a poucos quilômetros da fronteira entre o estado de Roraima, no Brasil, e a Venezuela. Devido ao difícil acesso a essa região da Amazônia, o contato com pessoas não indígenas até o início do século XX fora raro ou inexistente entre os Yanomami. Kopenawa era criança quando viu pessoas não indígenas pela primeira vez. Sua família foi quase totalmente dizimada por doenças infecciosas trazidas por autoridades brasileiras no final dos anos de 1950 e depois, novamente, por membros da New Tribes Mission, em 1967. Como consequência, ainda adolescente, ele deixou a aldeia e passou a atuar como intérprete da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), função que desempenha desde então. No início dos anos 1980, Kopenawa se casou com a filha de um respeitado xamã na comunidade de Watoriki e lá se instalou. Foi iniciado no xamanismo por seu sogro. Durante sua iniciação recebeu, de entidades espirituais chamadas xapiripë, o nome Kopenawa, em referência a espíritos-vespa conhecidos por sua bravura.

Em 1987, o território Yanomami foi invadido por cerca de 40 mil garimpeiros, um contingente duas vezes maior que a população Yanomami em território brasileiro. Algumas estimativas sugerem que um quinto da população Yanomami morreu devido à violência, à malária, à desnutrição e ao envenenamento por mercúrio. Como resultado de intensa mobilização nacional e internacional, tendo à frente Kopenawa, Bruce Albert, o missionário Carlo Zacchini, a fotógrafa Claudia Andujar e outros ativistas congregados na Comissão pela Criação do Parque Yanomami (CCPY, criada em 1978 e posteriormente renomeada Comissão Pró-Yanomami), o território Yanomami foi homologado pelo governo brasileiro em 1992, no contexto da Cúpula da Terra no Rio de Janeiro. No ano seguinte, doze indivíduos Yanomami, todos idosos, além de mulheres e crianças, foram massacrados por garimpeiros, no episódio que ficou conhecido como Massacre de Haximu. O ativismo de Davi Kopenawa em defesa de seu povo e da floresta então se intensificou. Kopenawa integrou uma ampla campanha internacional pela defesa do meio ambiente e dos povos indígenas, viajando extensivamente pelos Estados Unidos e Europa.

Kopenawa foi um dos fundadores, em 2004, da Hutukara Associação Yanomami, por meio da qual vem articulando ações políticas e projetos em defesa do território contra garimpeiros e outros invasores, assim como pela melhoria das condições de saúde e educação do povo Yanomami. Também tem trabalhado para a formação de novas gerações de conhecedores xamãs e lideranças políticas.

No contexto de desmonte perpetrado pelo governo de Jair Bolsonaro contra a FUNAI e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), os órgãos de governo destinados à promoção e proteção de direitos dos povos originários e do meio ambiente, o território Yanomami foi alvo de novas invasões por garimpeiros a partir de 2019. Apesar de reiteradas ameaças de morte, Kopenawa persiste em seu trabalho intenso em defesa da causa indígena e ambiental. Em fevereiro de 2020, denunciou formalmente o governo brasileiro durante a 43ª sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra, na Suíça, por seu ataque aos povos indígenas e à floresta amazônica. Durante a pandemia do SARS-CoV-2 (Covid-19), através da Hutukara e com a colaboração de aliados como a Rede Pró-Yanomami e Ye'kwana e o Instituto Socioambiental (ISA), atuou em prol da proteção e assistência a seu povo, já assolado por outras doenças trazidas pela presença de garimpeiros em seu território.

Kopenawa tem ainda explorado múltiplas possibilidades políticas, formativas e espirituais trazidas pelas artes. Nas últimas décadas, participou de colaborações artísticas de vulto: foi um dos criadores da ópera Amazonas-music theatre in three parts (com Peter Ruzicka, Peter Weibel e Laymert Garcia dos Santos), apresentada em 2010 em Munique e São Paulo; produziu, com artistas yanomami e não indígenas, diversos filmes, dentre os quais se destacam Xapiri (2012, com Bruce Albert, Leandro Lima, Gisele Motta, Stella Senra e Laymert Garcia Dos Santos), Urihi haromatima pë: curadores da floresta (2014, com Morzaniel Ɨramari Yanomami) e A Última floresta (2020, com Luiz Bolognesi), vencedor do prêmio do público no Festival de Cinema de Berlim em 2021.

Segundo Bruce Albert, a extraordinária combinação de ter vivido a infância imerso nos modos tradicionais de existência yanomami, sua vasta experiência entre os brasileiros não indígenas e seu treinamento xamânico permitiram que Kopenawa desenvolvesse uma reflexão cosmológica original, apresentada em A queda do céu, sobre os elos entre o fetichismo de mercadorias característico das coletividades não indígenas, a destruição das florestas e as mudanças climáticas, assim como os desdobramentos patogênicos dessas intervenções nos corpos e no mundo, com base na ontologia yanomami. O impacto da publicação se fez notar em várias áreas das artes, das ciências sociais e da filosofia. Recebeu vários prêmios internacionais, como o ONU Global 500 em 1988, a Ordem de Rio Branco pelo governo brasileiro em 1999, o Prêmio Itaú Cultural em 2017 e o prêmio Right Livelihood em 2019. Em dezembro de 2020, Davi Kopenawa foi eleito membro colaborador da Academia Brasileira de Ciências.

Como citar este verbete:
TADDEI, Renzo. “Davi Kopenawa”. In: Enciclopédia de Antropologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de Antropologia, 2021. Disponível em: https://ea.fflch.usp.br/autor/davi-kopenawa

ISSN: 2676-038X (online)

[ Acesse aqui a versão em PDF ]

K
bibliografia

KOPENAWA, Davi & ALBERT, Bruce, La chute du ciel. Paroles d’un shaman yanomami, Paris, Plon, 2010 (Trad. Bras. Beatriz Perrone-Moisés. Prefácio Eduardo Viveiros de Castro. São Paulo, Companhia das Letras, 2015)

KOPENAWA, Davi & ALBERT, The falling sky: words of a yanomami shaman, Cambridge, Harvard University Press, 2013

KOPENAWA, Davi & ALBERT, La caduta del cielo: parole di uno sciamano yanomami, Milão, Nottetempo, 2018

http://www.proyanomami.org.br/v0904/index.asp

http://www.hutukara.org/