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Hutukara Associação Yanomami

A Hutukara Associação Yanomami (HAY) é uma organização sem fins lucrativos que congrega os habitantes da Terra Indígena Yanomami (TIY). Criada em 2004, ela é uma das mais atuantes organizações indígenas no Brasil, exercendo um papel de articulação política e gerindo projetos voltados à proteção territorial (sobretudo frente à invasão do garimpo ilegal), manejo etnoambiental, saúde, formação, pesquisa e outras iniciativas com parcerias nacionais e internacionais envolvendo organizações públicas e civis.

A criação da HAY (2004) deu-se em uma assembleia dos Yanomami na comunidade de Watorikɨ, no Amazonas, onde vive um de seus líderes, o intelectual e xamã Davi Kopenawa (1956-). Assembleias que reuniam lideranças yanomami aconteciam desde a década de 1990, na Terra Indígena que foi demarcada e homologada em 1992. Atualmente, a Assembleia Geral é convocada a cada quatro anos. Desde sua fundação, Davi Kopenawa vem sendo reeleito como presidente da Associação, e seu filho Dario Vitório Kopenawa foi escolhido para ocupar o cargo de vice-presidente, em 2022. O Estatuto da HAY define cargos e competências da diretoria e de coordenadores de setores.

© Fiona Watson / Survival International. Davi Kopenawa discursa para a 7a Assembleia da Hutukara, 2012. Reprodução gentilmente autorizada.© Fiona Watson / Survival International, 2012.

De acordo com Kopenawa, o nome Hutukara foi escolhido para a Associação pelos xapuri thëpë, os xamãs yanomami. Em diferentes contextos, a palavra hutukara adquire sentidos diversos com base na cosmologia yanomami. Hutukara é o céu que desabou nos primeiros tempos, constituindo o plano em que nos encontramos, o da urihi, a terra-floresta, um ser vivo povoado de viventes visíveis e invisíveis. É, portanto, o nome xamânico da terra atual que evoca o tempo-espaço primordial. Os xapuri thëpë ainda podem usar o termo hutukara para se referir ao céu atual, conhecido também como hutumosi. Em um esforço de tradução para a linguagem filosófica e ecológica, o termo hutukara é associado ao que os não indígenas chamam de universo, mundo ou planeta Terra. A atribuição deste nome explicita o papel da Associação como defensora da terra-floresta e de seus povos.

A criação de associações de Yanomami, a começar pela Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes (AYRCA), fundada em 1998, se insere no contexto das mudanças de perfil do movimento indígena, após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Os direitos reconhecidos na Carta Magna corroboraram a multiplicação de organizações bem como o fortalecimento de ONGs com pautas indigenistas e/ou ambientais, estabelecendo redes de cooperação que promoveram o preparo de lideranças indígenas para lidar com o mundo das políticas e dos projetos. Entre as referências importantes para o processo que culminou na fundação da HAY, Davi Kopenawa destaca especialmente Ailton Krenak (1953-) e Álvaro Tukano (1953-), que na década de 1980 coordenavam a União das Nações Indígenas (UNI), as lideranças do Conselho Indígena de Roraima (CIR), então denominado Conselho Indígena do Território de Roraima (CINTERR) e algumas organizações indigenistas. Entre elas, distingue-se a Comissão pela Criação do Parque Yanomami (CCPY, posteriormente denominada Comissão Pró-Yanomami), entidade fundada em 1978 pela fotógrafa Cláudia Andujar (1931-), pelo antropólogo Bruce Albert (1952-) e pelo missionário Carlo Zacquini (1937-), que tinha entre seus fins a criação de um Parque Indígena Yanomami, a proteção do território e a defesa das comunidades indígenas. Com o encerramento da CCPY, parte de suas atividades foi assumida pelo Instituto Socioambiental (ISA), um importante parceiro da HAY hoje.

Consolidando o protagonismo indígena no enfrentamento da chamada “nova corrida do ouro” e das organizações criminosas a ela associada, a Hutukara tem o intuito de representar todos os Yanomami e os Ye´kwana que vivem na TIY, congregando diversidades linguísticas, culturais, históricas e autoidentificações que singularizam os subgrupos e as diferentes regiões. Posteriormente à criação da HAY, surgiram outras associações reunindo habitantes da TIY, em Roraima e Amazonas, como a Associação Wanasseduume Ye´kwana, a Kurikama, a Kumirayoma, a Taner, a Hwenama e, mais recentemente, a Urihi e a Ypasali.

A existência de diferentes organizações indígenas com uma referência geográfica regional, a extensão das questões que estas enfrentam e o desafio da representação política segundo padrões alheios a seus modos próprios de organização motivaram os diretores da HAY a realizarem uma reflexão sobre sua representatividade e função. Um dos resultados de tal reflexão foi o esforço de articulação das lideranças regionais e das diversas organizações da TIY no Fórum de Lideranças: um espaço de debates e decisões, reconhecido formalmente desde 2015, em que a HAY assume um papel propositivo.

Com sede em Boa Vista (RR), a HAY mantém ligação com as comunidades distribuídas pela floresta da TIY, recebendo suas demandas e fornecendo informações e respostas, através de uma rede de radiofonia, comunicações por telefone, cartas e redes sociais, ou por meio de reuniões. A Associação atua na defesa dos direitos indígenas, mobilizando lideranças e articulando a mediação junto à sociedade não indígena e aos órgãos públicos, e formalizando denúncias, por meio de ofícios e documentos. Seu papel mediador inclui acompanhar a implementação das políticas públicas voltadas aos povos indígenas, sobretudo referentes à saúde, educação e valorização cultural, e incentivar projetos voltados à melhoria da vida nas comunidades. A HAY organiza ainda fóruns de lideranças, assembleias gerais ordinárias e extraordinárias, encontros regionais que agregam Yanomami (e eventualmente porta-vozes de outros povos), representantes de órgãos do Estado e de entidades parceiras, para discutir problemas e demandas da população. São também organizadas oficinas para tratar questões específicas, como a elaboração do Plano de Gestão Territorial e Ambiental da TIY e do Protocolo de Consulta (entre 2015 e 2019), ou voltadas a segmentos da sociedade, como mulheres ou jovens.

A HAY se articula com outras forças do movimento indígena e com organizações indígenas (Conselho Indígena de Roraima, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, Rede de Cooperação Alternativa, entre outras) para objetivos políticos, possibilitando a participação de Yanomami em manifestações e encontros com representantes de órgãos públicos, em Boa Vista, Brasília e outros locais. A Associação estabelece também parcerias com instituições governamentais e não governamentais, e com organizações financiadoras, para a implementação de projetos direcionados à proteção territorial, à formação de professores, agentes indígenas de saúde, comunicadores entre outros, à geração de renda, e à valorização das línguas e culturas. Neste último âmbito, se destacam as pesquisas autoetnográficas e interculturais, resultantes em publicações didáticas e paradidáticas, o apoio a artistas e à produção de cinegrafistas yanomami, a participação em manifestações culturais e artísticas em universidades e centros culturais, nacionais e internacionais.

A Hutukara busca manter o equilíbrio sempre instável entre as práticas de gestão e as tendências de autonomia dos diversos grupos que recusam controle e centralização. O modo próprio de funcionamento desta organização, uma “ferramenta emprestada” do “mundo dos brancos”, implica atender obrigações morais e sociais que envolvem parentes e aliados, cujas demandas podem ser atendidas apenas parcialmente.

Como citar este verbete:
DALMONEGO, Corrado. “Hutukara Associação Yanomami”. In: Enciclopédia de Antropologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de Antropologia, 2023. Disponível em: https://ea.fflch.usp.br/instituicoes/hutukara-associacao-yanomami

ISSN: 2676-038X (online)

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data de publicação
01/07/2023
autoria

Corrado Dalmonego

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Site: http://www.hutukara.org/