Margaret Mead (1901-1978), antropóloga estadunidense, foi um dos expoentes da chamada escola culturalista norte-americana. Nascida na Pensilvânia, estudou psicologia e posteriormente antropologia na Universidade de Columbia (1923), momento em que o departamento era dirigido por Franz Boas (1858-1942) e Ruth Benedict (1887-1948), ambos engajados no estabelecimento dos pressupostos teórico-metodológicos da disciplina nos Estados Unidos, na cena político-social da época e no combate ao racismo científico. Mead dedicou seus estudos ao desenvolvimento de teorias sobre as relações entre cultura e personalidade, a socialização de crianças, a sexualidade, aos papéis diferenciais de gênero e às conexões entre cultura coletiva e personalidade individual. Uma de suas muitas contribuições aos estudos antropológicos foi demonstrar a influência do aprendizado sociocultural sobre o comportamento de homens e mulheres. Mead casou-se três vezes: primeiro com o arqueólogo Luther Cressman (1897-1994), depois com os antropólogos Reo Fortune (1903-1979) e Gregory Bateson (1904-1980), seus companheiros nos trabalhos de campo que realizou. Com Bateson teve uma filha, Mary Catherine Bateson (1939-), também antropóloga. Viveu com a antropóloga Rhoda Métraux (1914-2003) de 1955 até sua morte, aos 76 anos.
A carreira acadêmica da pesquisadora desenvolveu-se no Departamento de Antropologia da Universidade de Columbia, onde ingressou em 1940. Paralelamente, atuou como curadora do Museu de História Natural de Nova York, a partir de 1926. Lecionou também em diversas universidades nos EUA, como The New School for Social Research, Universidade Fordham e Universidade de Rhode Island, tendo se engajado ainda em uma série de organizações e associações, como a American Anthropological Association e American Association for the Advancement of Science. Durante a II Guerra Mundial, dirigiu pesquisas com expatriados sobre culturas europeias, que resultaram em duas publicações: Soviet attitudes towards authority (1951) e Themes in French culture (1954), este com Rhoda Métraux.
Em um de seus mais conhecidos trabalhos, Coming of age in Samoa: A psychological study of primitive youth for western civilisation (1928), resultado de pesquisas realizadas em Samoa a partir de 1925, esteve interessada em compreender como indivíduos atravessavam a adolescência, fase da vida comumente entendida como período de crise e rebeldia. Nessa primeira etnografia, na Ilha de Tau, observou um ambiente bastante livre: a criação das crianças não incluía punições severas, o que representava um contraste com os problemas típicos enfrentados por jovens estadunidenses. A adolescência em Samoa coincidia com um período de alegria e prazer, o que parecia indicar que as formas que a transição entre a infância e a vida adulta assumem depende do contexto cultural. O livro foi publicado em 1928 e se tornou imediatamente um sucesso editorial. Anos mais tarde sofreu severas críticas do antropólogo neozelandês Derek Freeman (1916-2001), que alegou que em seus anos de pesquisas na mesma região não encontrou a liberdade sexual que a antropóloga descreve; pelo contrário, em sua ótica havia diversos distúrbios sexuais disseminados e um culto à virgindade. Para sustentar tamanha discrepância das conclusões, elaborou a tese de que Mead ou teria sido enganada pelas jovens, sem perceber que estas passavam informações jocosamente, ou que ela apenas enxergou o que queria ver de modo a comprovar suas teses. Em 1931, Mead segue para Papua-Nova Guiné, experiência a partir da qual publica Sexo e temperamento em três sociedades primitivas (1935), outra de suas obras que conhecem notoriedade. Os levantamentos aí realizados com Reo Fortune entre os Arapesh, Mundugumor e Tchambuli indicam que características associadas às diferenças sexuais entre homens e mulheres, frequentemente entendidas como temperamentos masculinos e femininos, não eram propriedades inatas aos sexos, mas reflexos do aprendizado cultural. Com essas formulações - que colocam em xeque a ideia do cuidado doméstico e de uma suposta sensibilidade e fragilidade do sexo feminino como padrão universal - ela abre caminho para os estudos de relações de gênero na antropologia, conferindo à crítica aos estereótipos e às atribuições de papéis sociais importante arcabouço teórico.
Na segunda metade dos anos 1930, Mead realizou trabalhos de campo em Bali, na Indonésia, que estão na origem de diversas produções fílmicas, entre as quais o ensaio fotográfico Balinese character: a photographic analysis (1942), realizado com Gregory Bateson, assim como o documentário Trance and dance in Bali (1951), entre diversos outros curtas-metragens, muitos deles com imagens produzidas nos EUA. Mead e Bateson fizeram ainda longos registros da criação e crescimento da filha Mary Catherine Bateson, que inspiraram o pediatra Benjamin Spock (1903-1998) a escrever sobre o cuidado infantil.
Com o passar dos anos, Mead tornou-se uma comentadora de sua própria cultura, dando palestras e escrevendo para revistas não científicas sobre educação, direitos das mulheres e sexualidade, o que a levou a ficar muito conhecida fora dos círculos acadêmicos especializados. Elaborou também sérias críticas aos testes de inteligência em voga, que visavam provar hierarquias raciais, questionando sua validade e metodologia, e apontando fatores que poderiam influenciar em seus resultados, como a estrutura familiar, o status socioeconômico e a exposição à linguagem. Favorável a uma abertura moral e de costumes com relação à vida tradicional ocidental, Mead e suas formulações foram recuperadas por militantes de movimentos pelos direitos de homossexuais, sobretudo pela ênfase concedida à variabilidade de relações afetivas nas sociedades humanas; não por acaso o seu nome foi incluído entre os verbetes da Encyclopaedia of gay, lesbian, bisexual, transgender and queer culture (2003). Os trabalhos realizados com Bateson, por sua vez, sobretudo Balinese character, são considerados precursores da antropologia da imagem, inspiração para muitas incursões recentes nesse campo.
Como citar este verbete:
FELIPPE, Mariana Boujikian; OLIVEIRA-MACEDO, Shisleni de. “Margareth Mead”. In: Enciclopédia de Antropologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de Antropologia, 2018. Disponível em: <http://ea.fflch.usp.br/autor/margaret-mead>
ISSN: 2676-038X (online)
Mariana Boujikian Felippe e Shisleni de Oliveira-Macedo
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