obra
Como as instituições pensam

O livro Como as Instituições Pensam (1986) foi produzido a partir de cinco palestras proferidas pela antropóloga britânica Mary Douglas (1921-2007) na 6ª Conferência Abrams, realizada na Universidade de Siracusa, em março de 1985. Seu conteúdo, organizado em nove capítulos, articula questões que atravessam e condensam os fundamentos lógicos e teóricos presentes na produção anterior da autora, conferindo ao texto um caráter abrangente. Nesta obra é sistematizado o seu ponto de vista sobre como o processo cognitivo funda a ordem social e, ainda, sobre como os processos cognitivos individuais dependem de instituições sociais. Para tanto, a autora dialoga com teorias econômicas, psicológicas, sociológicas e antropológicas, dentre outras, fazendo desta uma obra interdisciplinar.

Partindo de uma discussão sobre a relação entre indivíduo e sociedade, Mary Douglas aponta, nos três primeiros capítulos, as inadequações da teoria da escolha racional individual para explicar os mecanismos que tornam as sociedades e seus agrupamentos possíveis. Com o objetivo de construir o seu contraponto a tais formulações, traz os pensamentos de Ludwik Fleck (1896-1961) sobre o condicionamento social da cognição e de Émile Durkheim (1858-1917) sobre a origem social do pensamento individual. Empreende aí uma série de críticas ao funcionalismo desses dois pensadores, sobretudo críticas em relação a Durkheim pela compreensão de que sua abordagem atribui às instituições a qualidade de indivíduos, convertendo-as em sistemas cognitivos suprapessoais. A despeito desses reparos, a autora sustenta que, lidos em conjunto, os autores permitem conjugar uma teoria cognitiva e uma teoria das instituições, contribuindo para a projeção de uma visão mais sociológica da cognição humana e para uma análise institucional que leve em conta a cognição, seus propósitos na obra. Mary Douglas defende no livro uma teoria institucional da sociedade, sustentando que o pensamento e a cognição se dão, em toda parte, por meio das instituições. Para a autora, uma instituição social (por exemplo, a família, o jogo ou a cerimônia) é uma convenção que, para se tornar estável e legítima, precisa de uma convenção cognitiva paralela que a sustente. As convenções são, inclusive, segundo a autora, as formas mais simples de instituições.

J. B. Sonde, "A Sala de aula", litografia, s.d., Wellcome Collection. Domínio público, licença de reuso CC BY 4.0

A partir do quarto capítulo, a antropóloga examina a capacidade que as instituições possuem em operar classificações, conferir identidade, fazer lembrar, esquecer, selecionar, cultivar e decidir, em distintos sistemas de significado. Esses procedimentos só são possíveis, explica, porque as instituições estão fundamentadas em analogias que mais naturalizam as classificações do que se impõem como ordenamentos (como exemplo dessas convenções, a autora aponta, dentre outros, os pares masculino e feminino, esquerda e direita, natureza e cultura). Ademais, o procedimento da analogia faz com que as instituições sejam fundadas na natureza, fazendo-as ganhar estabilidade e legitimidade. Por fim, conclui que a escolha racional (assumindo que esta existe de fato) se dá entre as instituições sociais, continuamente, e não no nível particular em momentos oportunos e pontuais. É a partir das instituições que os indivíduos realizam suas escolhas, estejam estas em conformidade ou em conflito com as próprias convenções institucionais.

Richard Fardon (1958-) indica que a maioria dos trabalhos desenvolvidos nas ciências sociais a partir desta obra de Mary Douglas, inclusive os da própria autora, preocuparam-se mais em precisar os seus conceitos do que em investigar as formas de pensamento em relação às organizações sociais, não oferecendo suficiente suporte empírico para o seu esquema teórico-conceitual. Trata-se de uma obra direcionada mais exatamente aos teóricos da escolha racional, que se interrogaram sobre como os interesses individuais poderiam estar subordinados a totalidades mais amplas. Se é a partir da antropologia que a autora trava esse embate, do ponto de vista teórico o livro alcança maior influência fora da disciplina, inspirando diretamente as bases conceituais da teoria institucional contemporânea em estudos organizacionais, de administração e de políticas públicas.

Como citar este verbete:

BRAZ, Paula Bessa; RIBEIRO, Pedro Roney Dias. “Como as Instituições Pensam”. In: Enciclopédia de Antropologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de Antropologia, 2020. Disponível em: <http://ea.fflch.usp.br/obra/como-instituicoes-pensam>

ISSN: 2676-038X (online)

[ Acesse aqui a versão em PDF ]

c
data de publicação
16/12/2020
autoria

Paula Bessa Braz e Pedro Roney Dias Ribeiro

bibliografia

DOUGLAS, Mary, How Institutions Think, Syracuse, Syracuse University Press, 1986 (Trad. Bras. Carlos Eugênio Marcondes de Moura. São Paulo, EDUSP, 1998)

FARDON, Richard, Mary Douglas: an intellectual biography, London, Routledge, 1999

FARDON, Richard, “Margaret Mary Douglas, 1921–2007”, Proceedings of the British Academy 166, 2010, p. 135–58

HACKING, Ian, “Knowledge”, London Review Books, vol. 8, n. 22, 1986

LIPARTITO, Kenneth, “Books that Made a Difference”, The Business History Review, vol. 80, n. 1, 2006, p. 135-140

Perri 6. “Elementary forms and their dynamics: Revisiting Mary Douglas”, Anthropological Forum: a Journal of social anthropology and comparative sociology 24 (3), 2014, p. 287–307

Perri 6 & RICHARDS, Paul, Mary Douglas: understanding social thought and conflict, Oxford, Berghahn Books, 2017