David Émile Durkheim (1858-1917) foi um sociólogo francês cujo legado liga-se tanto à consolidação da sociologia como disciplina científica quanto à formação de uma escola de pensamento fundada nos conceitos de fato social, de representações coletivas, de função, integração, regulação e anomia, entre outros. Sua teoria da religião, que tem como ponto de partida o totemismo australiano e como mola mestra a oposição entre sagrado e profano, teve muita importância para a antropologia do século XX. Sua atuação em Année Sociologique (1898-1925), revista que ele funda e dirige, mostra-se também decisiva no estreitamento de laços com antropólogos como Marcel Mauss (1872-1950), seu sobrinho e principal colaborador, Henri Hubert (1872-1927) e Robert Hertz (1881-1915). Année foi um espaço de trabalho coletivo – inspirado no contato de Durkheim com o laboratório de psicologia experimental criado por Wilhelm Wundt (1832-1920) na Universidade de Leipzig na Alemanha –, em que os diversos membros, de variadas áreas do conhecimento, partilhavam ideias, objetos e análises.
Durkheim nasceu em Épinal, em uma família formada por gerações de rabinos. Embora tenha sido encaminhado para esta função, direcionou-se aos estudos universitários. Em 1879, foi aprovado na École Normale Supérieure de Paris, onde obteve a agrégation em filosofia três anos depois. Durante o tempo na ENS, iniciou-se em leituras filosóficas de matriz iluminista – David Hume (1711-1776), Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e Immanuel Kant (1724-1804) –, naquelas de autores associados ao racionalismo francês de sua época – Charles Renouvier (1815-1903) e Émile Boutroux (1845-1921) –, além de obras de historiadores franceses, como Gabriel Monod (1844-1912) e Fustel de Coulanges (1830-1889). Após o estágio de pesquisa na Alemanha em 1885 com Wundt, foi nomeado professor da cátedra de ciência social e educação na Universidade de Bordeaux, em 1887, quando ministrou o primeiro curso de sociologia em uma universidade francesa. Em 1902, Durkheim assumiria a cátedra de ciência da educação na Sorbonne, Paris, que ele logrou converter, em 1913, para ciência da educação e sociologia. Permaneceu neste posto até 1917, ano de sua morte.
No campo da antropologia, tiveram maior repercussão as suas publicações tardias, após 1897, em que o autor investe mais decisivamente no estudo dos fenômenos religiosos. Dentre estas encontram-se: Sobre o totemismo (1902), Algumas formas primitivas de classificação: contribuição ao estudo das representações coletivas (1903), escrito em coautoria com Marcel Mauss, e As formas elementares da vida religiosa (1912). Foi pela leitura de The religion of the semites (1889) do teólogo escocês William Robertson-Smith (1846-1894) que Durkheim percebeu o papel capital da religião na vida social. Ainda que o fenômeno religioso já se fizesse presente em trabalhos anteriores do autor, é no livro de 1912 que ele se torna objeto central de análise. Aí, inspirado na perspectiva comparada mobilizada por Robertson-Smith e na importância por ele conferida ao totemismo, Durkheim projeta ser o sistema totêmico a forma originária da vida religiosa, capaz de evidenciar por sua “simplicidade” as formas elementares de toda e qualquer religião. Neste estudo, Durkheim localiza a existência de uma força moral como fonte da religião, e argumenta ser esta a própria coletividade. A compreensão do fenômeno religioso como fato social e fonte da vida em sociedade, definido pela existência de crenças (representações) e ritos (ações), abre espaço não apenas para pensar a religião como o primeiro sistema de representações coletivas, mas também como forma de conhecimento do mundo; isto porque Durkheim aponta a origem religiosa das categorias do entendimento (as noções de tempo, de espaço, de gênero, de causalidade etc.). Assim, a obra de 1912 contém, além de uma teoria geral da religião, uma sociologia do conhecimento.
As ideias de Durkheim influenciaram decisivamente a antropologia do século XX. Na França, é possível mencionar Mauss, que desdobrou e aprofundou o fato social durkheimiano em seu conceito de fato social total, e Claude Lévi-Strauss (1908-2009), que conversou criticamente com as teses de Durkheim sobre o totemismo e as formas de classificação. Na Grã-Bretanha, Radcliffe-Brown (1881-1955), Mary Douglas (1921-2007) e Victor Turner (1920-1983) foram alguns dos autores que dialogaram com sua obra. Radcliffe-Brown foi o principal introdutor de Durkheim em solo anglo-saxão, influenciado não só por seus escritos sobre o totemismo, como também por seus textos de teor metodológico, por exemplo, As regras do método sociológico (1895). A partir deles, Radcliffe-Brown formula seus conceitos de função e de estrutura, almejando construir um programa antropológico com bases científicas, de modo similar ao realizado por Durkheim com a sociologia. Douglas, por sua vez, parte de sugestões de Durkheim sobre a oposição entre sagrado e o profano, e sobre a importância dos rituais na vida social, para analisar sistemas classificatórios (de “pureza” e “poluição”) em perspectiva comparada; assim como recupera criticamente o autor em sua análise das instituições. Já Turner reivindica para si as compreensões durkheimianas do ritual e o seu papel para o fortalecimento de laços sociais em função da “efervescência coletiva” que os ritos promoveriam.
A despeito das críticas que as formulações do autor conhecem na antropologia contemporânea – por exemplo, sua defesa do fato social “como coisa”, exterior e anterior ao indivíduo – releituras de sua obra continuam a ser feitas em diversos domínios. No Brasil, as ideias de Durkheim aportam com os professores que integraram as missões francesas dos anos 1930 na Universidade de São Paulo, como Roger Bastide (1898-1974), por exemplo. Mais recentemente, a publicação pela editora da Universidade de São Paulo, desde 2016, da Biblioteca Durkheimiana, uma série de livros escritos por Durkheim e seus colaboradores, em versões bilíngues e com dossiês críticos, é uma das evidências do interesse que sua obra ainda parece despertar.
Como citar este verbete:
MOISÉS, Pedro Callari Trivino. “Émile Durkheim”. In: Enciclopédia de Antropologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de Antropologia, 2022. Disponível em: https://ea.fflch.usp.br/autor/emile-durkheim
ISSN: 2676-038X (online)
Pedro Callari Trivino Moisés
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