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Max Schmidt

Max Schmidt (1874-1950) foi um etnólogo alemão americanista mais conhecido por seus trabalhos sobre diversos povos indígenas no Brasil, sobretudo no Mato Grosso e no Paraguai, e por seus estudos comparativos sobre os povos indígenas falantes de línguas Aruak (ou Aruaque). Chamam a atenção tanto sua biografia incomum quanto suas opções teóricas e metodológicas pouco convencionais para a época. Além disso, pode ser considerado um precursor da antropologia econômica na primeira metade do século XX.

Schmidt nasceu em 16 de dezembro de 1874 em Altona, hoje um bairro da cidade de Hamburgo, no seio de uma família relativamente abastada. De início, tudo indicava que ele seguiria o caminho profissional do pai, um advogado; mas após cursar direito nas universidades de Tübingen, Berlim e Kiel, e defender a tese de doutorado em 1899 na Universidade de Erlangen, muda-se no mesmo ano para Berlim para cursar etnologia e antropologia física. Por sugestão e com a intermediação de Karl von den Steinen (1855-1929), sua primeira expedição etnológica, em 1900/01, financiada com recursos próprios, foi realizada inicialmente no Alto Xingu e depois entre os Guató (nos atuais Mato Grosso e Mato Grosso do Sul). Depois de regressar do Brasil, foi nomeado assistente da diretoria do Museu Etnológico de Berlim. Com este cargo, conseguiu organizar, em 1910, uma segunda expedição, desta vez para estudar as culturas dos Guató e Paresí e, em 1914, uma terceira, realizada entre os Toba e Cainguá-Guarani no Paraguai.

Max Schmidt, Estudos de Etnologia Brasileira, Rio de Janeiro, Companhia Editora Nacional, 1942. Estampa 1 "Nossa hora de descanso, no sertão".

Em 1916, Schmidt defenderia sua segunda tese de doutorado na Universidade de Leipzig, orientada pelo sociólogo Alfred Vierkandt (1867-1953), trabalho comparativo sobre a expansão dos povos indígenas falantes de línguas Aruak e suas culturas, publicando-a em 1917 com o título de Die Aruaken: Ein Beitrag zum Problem der Kulturverbreitung (Os Aruaques: uma contribuição ao problema da difusão cultural), no ano em que defendeu sua Habilitation (similar à livre-docência brasileira) na Universidade de Berlim. Em 1918, foi nomeado diretor da seção sul-americana do Museu Etnológico de Berlim e, em 1921, para o cargo de professor extraordinário da Universidade de Berlim. De 1926 a 1928, realizou outra pesquisa de campo em Mato Grosso, visitando desta vez os Bakairi, Guató, Kaiabi, Iranxe, Nambikwara, Parecí, Umutina e Wauja. Em 1929, surpreendentemente pediu demissão de todos os cargos e emigrou para o Brasil e, em 1931, para o Paraguai. Até hoje, não há informações comprováveis sobre os motivos da emigração e das razões da mudança do Brasil para o país vizinho.

Max Schmidt, esquema do trançado da cesta, Indianerstudien in Zentralbrasilien, Berlim, Dietrich Reimer, 1905, p. 361

No Paraguai, Schmidt foi convidado a assumir a diretoria do Museu Etnológico em Assunção, realizando pesquisas de campo no Chaco paraguaio a partir de 1935 e visitando diversos povos indígenas. Devido à eclosão da Segunda Guerra Mundial e à derrota do Terceiro Reich, sua principal fonte de renda, uma aposentadoria do governo alemão, seria suspensa. Schmidt faleceu em 26 de outubro de 1950 nos arredores de Assunção, vítima de hanseníase e em completa miséria, parcialmente sustentado por vizinhos. Devido à escassez de informações e ao perfil discreto de Schmidt, pouco se sabe sobre sua biografia, além dos dados acadêmicos oficiais. Algumas fontes documentais indicam que ele se casou, em 1914, com uma paraguaia chamada Mari, mas o casamento teria durado pouco tempo. Além disso, em 1917, perdeu a filha única, Greta, e a mãe, de modo que, ao emigrar, ele não possuía mais vínculos familiares.

Na obra de Schmidt percebe-se as influências de Adolf Bastian (1826-1905) e Karl von den Steinen. Além disso, ele manteve um diálogo, sobretudo epistolar, com o etnólogo Herbert Baldus (1899-1970) em São Paulo. Schmidt legou uma série de trabalhos sobre economia, ergologia e direito comparado dos povos indígenas das terras baixas da América do Sul. Suas posições teóricas podem ser descritas como autônomas, com posicionamentos críticos tanto contra o evolucionismo quanto contra as diversas versões do difusionismo. Entre os americanistas alemães, ele foi um dos críticos mais ferrenhos da doutrina dos Círculos Culturais austro-alemã, liderada pelo Padre Wilhelm Schmidt (1868-1954), e suas classificações frequentemente especulativas de culturas em “tipos” com distribuição geográfica, baseadas majoritariamente em estudos de objetos etnográficos depositados em museus. Isto fica evidente em sua obra mais conhecida entre os especialistas, Die Aruaken (1917), cuja primeira tradução em língua portuguesa data de 2021; nesta obra ele explica a expansão dos povos indígenas falantes de línguas aruak pela América do Sul, não por movimentos demográficos, mas devido à incorporação econômica e social de outras populações indígenas em relações de dependência, apresentando algo semelhante às posteriores teorias da dependência avant le nom. Do ponto de vista metodológico, ele também se revelou à frente de muitos contemporâneos por preferir pesquisas de campo intensivas e solitárias e por assumir abertamente, em suas publicações, os diversos fracassos experimentados em campo.

Até a primeira década do século XXI, Schmidt era considerado um autor quase esquecido tanto na etnologia alemã quanto na antropologia brasileira até ser “redescoberto” no contexto de tendências mais recentes na história da antropologia sobre as relações entre as duas tradições antropológicas. Uma contribuição muito importante foi a publicação de suas fotografias etnográficas, antes desconhecidas, em 2013 pelos antropólogos argentinos Federico Bossert e Diego Villar, com apoio do ator Viggo Mortensen.

Como citar este verbete:
SCHRÖDER, Peter. 2023. "Max Schmidt". In: Enciclopédia de Antropologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de Antropologia. Disponível em: https://ea.fflch.usp.br/autor/max-schmidt

ISSN: 2676-038X (online)

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bibliografia

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