autor
Abdelmalek Sayad

Abdelmalek Sayad (1933-1998) nasceu em Aghbala, na comuna cabila de Beni Djellil, na Argélia, país marcado por mais de um século pelo regime colonial francês (1830-1962). Subdesenvolvimento, destruição de vilas e suprimentos, deslocamentos forçados, campos de reagrupamento populacional monitorados pelo exército francês e, ainda, a presença constante da Organisation Armée Secrète [Organização Armada Secreta] (OAS), grupo paramilitar francês, compõem o ambiente social vivido por ele. Único filho homem de uma família de camponeses, recebeu do pai, liderança política local, apoio e suporte para se formar. Torna-se professor de ensino escolar e, paralelamente, entre 1958 e 1961, continua seus estudos na Universidade de Argel, onde, sob orientação do sociólogo Pierre Bourdieu (1930-2002), forma-se para o desenvolvimento de pesquisas de campo engajadas na denúncia do colonialismo. Sayad explorou o impacto da modernidade ocidental no universo rural argelino e o fenômeno migratório como resultantes das longas relações coloniais impostas pela Europa ao norte da África, que, seriam mantidas apesar do processo de descolonização.

© Rebeca Sayad. Retrato de Abdelmalek Sayad. Data desconhecida. Reprodução autorizada pela família.

A etnossociologia é uma marca característica da obra de Sayad, com início durante os primeiros anos de trabalho ao lado de Bourdieu, na região da Cabília, norte da Argélia. Destaca-se sua participação na pesquisa conduzida pelo então jovem sociólogo francês, que culminaria no clássico Le déracinement: La crise de l'agriculture traditionnelle en Algérie (1964). Para eles, a filosofia e a sociologia, enquanto ciências ortodoxas e coloniais, não ofereciam ferramentas epistemológicas e conceituais capazes de assegurar uma compreensão da realidade vivida naquele país. O mesmo podia ser dito a respeito dos trabalhos etnográficos realizados na região, produzidos em geral por orientalistas e funcionários do próprio governo francês, sem formação prévia rigorosa, que reforçavam a já exótica imagem dos magrebinos construída pelo imaginário eurocêntrico da metrópole.

Sayad e Bourdieu desenvolveram pesquisa etnográfica em aldeias e zonas de reassentamentos forçados impostos pelo exército francês com o intuito de denunciar o forte impacto do capitalismo sobre uma economia tradicional, baseada na reciprocidade e na dádiva. A partir de produção fotográfica, entrevistas e anotações de campo, formularam uma compreensão sistêmica das transformações socioculturais vivenciadas pelas populações magrebinas sob a ocupação francesa, elaborando uma etnossociologia capaz de fundir a disciplina e sensibilidade exigidas pela etnografia com uma análise sociológica crítica e denunciativa das condições impostas pelo regime colonial. Em 1963, após a independência da Argélia (1962), Sayad muda-se para Paris para cursar doutorado em história, mas as precárias condições de vida levam-no a postergar seus estudos. Magrebino, migrante, com uma formação escolar e universitária na Argélia e pesquisador de um tema marginal, ele enfrentou dificuldades para conseguir seu espaço na academia francesa. Apenas em 1977 foi integrado como diretor de pesquisa no Centre National de Recherche Scientifique (CNRS), com estudos dedicados à imigração argelina, tema de constante preocupação do governo francês devido à crescente presença de magrebinos nesse país.

Em escritos das décadas de 1960 e 1990, Sayad ilumina o fenômeno migratório. Para além das perspectivas europeias que definiam a migração como um “problema social” e refutando interpretações restritivas do migrante como um Homo Economicus, ele defende que a migração deve ser compreendida como um “fato social total”, no sentido original de Marcel Mauss (1872-1950). Para Sayad, o migrante “não nasce” quando chega na sociedade de destino, tampouco pode ser compreendido exclusivamente a partir da perspectiva econômica. Sua obra explicita como os Estados argelino e francês condenaram à migração os despossuídos da terra. Mesmo após a independência e em prol da modernidade, o Estado argelino seguia expulsando sua população do campo. Sem um habitus campesino, os argelinos passam a compor uma espécie de subproletariado para a economia francesa. Graças a uma análise distinta da visão hegemônica da academia europeia, a migração assume, em sua obra, uma dimensão política. Antes de compreendê-lo como um migrante, temos um ser social inserido em uma sociedade, que deve participar de todas as suas dimensões, inclusive das decisões políticas. Migrar, portanto, não é apenas um ato que comprime e encerra o ser na dimensão econômica e temporária do trabalho.

Ao longo de sua carreira, Sayad deixou um legado intelectual marcado pelo rigor acadêmico e a militância política, que podem ser encontrados nos escritos políticos Emigration et nationalisme: le cas algérien (1987) e Algerie: les causes profonde du soulevement d'octobre (1989). Entre os seus escritos mais importantes estão L'Immigration, ou les paradoxes de l'altérité (1992) e as obras póstumas, La Double Absence. Des illusions de l'émigré aux souffrances de l'immigré (1999) e L'école et les enfants de l'immigration, essais critiques (2014). No Brasil, seus trabalhos são referências para o campo dos estudos migratórios, embora as poucas traduções brasileiras encontram-se esgotadas. Assim, apesar de bastante conhecida e citada, a produção intelectual de Abdelmalek Sayad é ainda de difícil acesso na academia brasileira.

Como citar este verbete:

DIAS, Gustavo & VILLEN, Patrícia. “Abdelmalek Sayad”. In: Enciclopédia de Antropologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de Antropologia, 2021. Disponível em: https://ea.fflch.usp.br/autor/abdelmalek-sayad

ISSN: 2676-038X (online)

[ Acesse aqui a versão em PDF ]

s
data de publicação
14/12/2021
autoria

Gustavo Dias e Patrícia Villen

bibliografia

BOURDIEU, Pierre & SAYAD, Abdelmalek, Le déracinement; la crise de l’agriculture traditionnelle en Algérie, Les Éditions de Minuit, 1964 (Trad. Arg. Ángel Abad & Luciano Padilla López. Buenos Aires, Siglo Veintiuno Editores, 2017)

DIAS, Gustavo; BOGUS, Lúcia; PEREIRA, José Carlos & BAPTISTA, Dulce (orgs), A contemporaneidade do pensamento de Abdelmalek Sayad, São Paulo, EDUC – editora da PUC/SP, 2020

REDING, Miles, “Yesterday's colonization and today's immigration”: an intellectual biography of Abdelmalek Sayad, 1957-1998. Dissertação (Mestrado em História), University of Oregon, 2017, 162p

SAYAD, Abdelmalek & NEIBURG, Federico, “Colonialismo e migrações - entrevista a Abdelmalek Sayad”,  Mana: Estudos de Antropologia Social, 1996, p. 155-170

SAYAD, Abdelmalek. L’immigration ou les paradoxes de l’ altérité. De Boeck Wesmael S.A., 1991 (Trad. Bras. Cristina Murachco. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 1998)

SAYAD, Abdelmalek. La double absence. Des illusions de l'émigré aux souffrances de l'immigré, Paris, Seuil, 1999

SAYAD, Abdelmalek. “O retorno: elemento constitutivo da condição do imigrante” Travessia: revista do migrante (especial), 2000, p. 7-32

YACINE, Tassadit.; JAMMES, Yves & DE MONTLIBERT, Christian (orgs), Abdelmalek Sayad, la découverte de la sociologie en temps de guerre, Nantes, Éditions Cécile Defaut, 2013