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Eduardo Galvão

Eduardo Enéas Gustavo Galvão (1921-1976) foi um antropólogo brasileiro que nasceu dia 25 de janeiro de 1921, no Rio de Janeiro. É um dos responsáveis pela consolidação da antropologia no país, tanto pela sua rica produção teórica sobre o fenômeno de aculturação quanto pela formulação de políticas indigenistas no Brasil.

Após a conclusão do curso secundário, Galvão inicia uma carreira acadêmica precoce, em 1939, como estagiário da Divisão de Antropologia do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Logo, em 1941, sob a tutela de Charles Wagley (1913-1991), participaria do curso de etnologia geral no próprio Museu Nacional, o que lhe garantiu não apenas um estágio como naturalista auxiliar interino – e efetivo, no final da década de quarenta –, mas também uma fecunda amizade com Wagley que duraria até sua morte, em 1976. O cargo de naturalista passa por uma profissionalização em meados da década de 1950 com o surgimento de cursos superiores no contexto de fundação de museus e está intimamente relacionado ao trabalho do antropólogo, tratando do estudo e da conservação de artefatos naturais, arqueológicos e etnológicos. Com efeito, Eduardo Galvão se tornou não apenas o primeiro estudante de pós-graduação de Wagley como o primeiro doutor brasileiro em antropologia na Universidade de Columbia.

Galvão obteve seu doutorado na Universidade de Columbia em 1952 com a tese The religion of an Amazon community: a study in culture change (1952), publicada posteriormente no Brasil com o título de Santos e visagens: um estudo da vida religiosa de Itá, Amazonas (1955). Nesse texto, Galvão realiza um estudo sobre a cultura cabocla no Pará, na região próxima à foz do rio Amazonas, focando em seus aspectos religiosos e em sua formação influenciada pela cultura ameríndia local. Na tese, Galvão aprofunda a pesquisa acerca da aculturação, assunto que mais tarde se consolidaria em seus textos mais notáveis como “Cultura e sistema de parentesco das tribos do Alto Rio Xingu” (1953), no qual ele busca identificar a “área do uluri” como uma área cultural indígena; Mudança cultural na região do rio Negro (1955), referente a uma delimitação e caracterização da área cultural do Rio Negro; “Estudos sobre aculturação dos grupos indígenas do Brasil” (1957), seu texto de maior notoriedade, no qual o autor reflete a forma com que a antropologia estava sendo realizada no Brasil; e por fim, a publicação da sua proposta sobre as “Áreas culturais indígenas do Brasil: 1900-1959” (1960).

Eduardo Galvão, mapa, "Áreas culturais indígenas do Brasil 1900-1959", Boletim do Museu Paraense Emilio Goeldi, Belém, Série Antropologia, n. 8, 1960, p. 1-41

O conceito de área cultural em Galvão ocupa posição fundamental no seu pensamento e é desenvolvido no já mencionado “Áreas culturais indígenas no Brasil 1900-1959” (1960). A sua conceituação e delimitação surgem a partir da correção das interpretações anteriores que eram incapazes de analisar o caso brasileiro. O primeiro passo exposto é realizar um levantamento das tribos remanescentes em um dado tempo cronológico, não muito extenso, para não tornar superficial o estudo comparativo; o que demanda operar, através de fontes, reconstituições culturais históricas de mudança cultural. O segundo passo é tentar apreender a situação de contato entre as tribos que representam o local, bem como o contato interno intertribal, e a variável da aculturação, assim como o contato externo, que se realiza entre as sociedades tribais e a sociedade nacional - exemplo disso é a área cultural Juruá-Purus localizada nas Terras Baixas da região sudoeste da Amazônia. O estudo da aculturação deve ser desempenhado por meio de uma análise comparativa de tribos e, no âmbito do contato externo, utilizam-se as categorias delimitadas por Darcy Ribeiro (1922-1997) e a indicação de frente pioneira nacional (dentre elas a extrativa, pastoril e agricultora). De acordo com Galvão, o estudo da situação de contato e contexto cultural é fundamental para a apreensão da dinâmica e da constituição da composição dos elementos culturais em uma área determinada. Vale ressaltar que o esquema das áreas culturais elaborado por Galvão nesse estudo é uma adaptação, com as devidas mudanças de acordo com os critérios do autor, das demarcações feitas por Julian Steward (1902-1972) e George Murdock (1897-1985).

Eduardo Galvão teve como principal preocupação de suas pesquisas estudar a mudança cultural e a aculturação, fenômenos intimamente relacionados ao conceito de área cultural. Ainda que muito influenciado por antropólogos culturalistas – tais como Melville Herskovits (1895-1963), Ralph Linton (1893-1953), Robert Redfield (1897-1958) e o já mencionado Charles Wagley –, Galvão elaborou seus estudos a partir da crítica ao modo como esses conceitos eram tratados por essa vertente da antropologia norte-americana. Por exemplo, em seu texto “Estudos sobre a aculturação dos grupos indígenas do Brasil”, de 1957, ele tece uma crítica ao conceito clássico de aculturação por sua rigidez metodológica. Segundo ele, tal definição se limitava ao tratamento do indígena como mero receptor do fenômeno cultural, não considerando a reafirmação cultural como forma de manter a condição do indígena enquanto tal. Ademais, Galvão constatou que alguns grupos indígenas se “aculturam” com maior facilidade que outros. Os casos analisados no texto são entre os Timbira ou Karajá – que resistiram à assimilação – e os Tupi – que recebiam com facilidade os traços culturais. Sua hipótese é de que, enquanto os primeiros participavam de culturas especializadas ao ambiente e se afastavam da cultura dos caboclos, os Tupi possuíam uma cultura mais próxima do seu substrato cultural. Portanto, os fatores de resistência ou apego a “padrões tribais”, segundo ele, estavam ligados à expansão da população sertaneja brasileira. Por outro lado, dado seu diálogo com a escola neoevolucionista, Galvão também reconhecia a influência das características geográficas nos fenômenos culturais e suas mudanças. Assim, os grupos que viviam em lugares mais inóspitos, segundo ele, não se “assimilavam” a outras culturas tais como grupos com um contato mais intenso.

As principais questões da obra de Galvão orbitam em torno de como ocorre o contato e a transformação dos grupos indígenas em caboclos, sertanejos e demais grupos que compõem o cenário regional brasileiro. Em sua vasta experiência de campo, ele se ateve principalmente ao estudo dos índios Tenetehara, no Maranhão; dos grupos indígenas do Alto Rio Xingu; das interações entre indígenas e não-indígenas na região do Médio e Alto rio Negro; e das comunidades caboclas de Itá (nome fictício usado para Gurupá), no Baixo Amazonas. No que diz respeito às suas bases metodológicas e teóricas, recebeu uma forte influência dos antropólogos que valorizavam o estudo de grandes complexos aculturativos, como Herbert Baldus (1899-1970), Egon Schaden (1913-1991) e o próprio Charles Wagley; e de Julian Steward (1902-1972), principalmente no que diz respeito ao estudo etno-histórico e à relação entre cultura e ambiente. Como resultado, Eduardo Galvão produziu uma metodologia própria, caracterizada tanto pelas generalizações quanto pelo trabalho com diferentes pesquisadores, tendo em vista a noção de cultura enquanto sistema adaptativo aos constrangimentos da história e do ambiente. 

Embora tenha tido uma atividade fundamental no campo teórico, Eduardo Galvão contribuiu de forma direta e indireta na elaboração de políticas públicas indigenistas e na ação política em defesa das populações indígenas. Participou do Serviço de Proteção aos Índios (órgão indigenista oficial posteriormente substituído pela FUNAI); foi Chefe de Secção de Orientação e Assistência em 1952; integrou a Associação Brasileira de Antropologia, da qual foi presidente de 1963 a 1966, participando ainda da elaboração da proposta de criação do Parque Indígena do Xingu. Envolveu-se de forma ativa no Museu Nacional do Rio de Janeiro e no Museu Paraense Emílio Goeldi, onde foi pesquisador e chefe da Divisão de Antropologia em 1955 e diretor em 1961-1962, desempenhando um papel fundamental na promoção da antropologia no meio científico brasileiro. Contribuiu também para a consolidação de instituições como o Museu do Índio, onde atuou em 1953, e a Universidade de Brasília. Em seus últimos anos de vida, recebeu a medalha do Mérito Indigenista na categoria “Ciência” (1974) e a Medalha do Jubileu de Prata da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (1975).

Destacado pelo antropólogo brasileiro Egon Schaden (1913-1991) como “o maior antropólogo brasileiro de nossa geração”, Galvão construiu uma rica produção científica acerca das mudanças culturais, de forte impacto na formulação das políticas indigenistas do Estado brasileiro.

Como citar este verbete:
KATO, Gabriel Akira; FAGUNDES, Guilherme Olímpio; BALANCO, João Pedro Gomes & ALMEIDA, João Victor Magalhães de. 2020. "Eduardo Galvão". In: Enciclopédia de Antropologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de Antropologia. Disponível em: http://ea.fflch.usp.br/autor/eduardo-galvao

ISSN: 2676-038X (online)

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data de publicação
15/12/2020
autoria

Gabriel Akira Kato, Guilherme Olímpio Fagundes, João Pedro Gomes Balanco e João Victor Magalhães de Almeida

bibliografia

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