Nascido em Itabirinha de Mantena, na região do Vale do Rio Doce, Minas Gerais, Ailton Alves Lacerda Krenak (1953-) é um escritor, filósofo, ativista e ambientalista do povo Krenak. É autor de O lugar onde a terra descansa (2000), Ideias para adiar o fim do mundo (2019), O amanhã não está à venda (2020), A vida não é útil (2020), Futuro ancestral (2022) e Um rio um pássaro (2023). Tornou-se amplamente conhecido por sua performance na Assembleia Nacional Constituinte em 4 de setembro de 1987, quando tingiu seu rosto com jenipapo, ao discursar a favor do reconhecimento dos direitos indígenas, chamando a atenção para as violações sofridas pelos povos originários. Foi um dos responsáveis pela inserção do capítulo “Dos Índios” da Constituição da República Federativa do Brasil (Título VIII, Cap. VIII, 1988), conhecida como a “Constituição cidadã”.
O povo Krenak possui histórico de violentos contatos, tendo sido perseguido desde o período colonial brasileiro. Apesar de a demarcação do território krenak datar de 1920, sua homologação dar-se-ia somente em 2001, por decreto presidencial. Localizada à margem esquerda do Rio Doce, entre as cidades de Resplendor e Conselheiro Pena, no estado de Minas Gerais, a Terra Indígena Krenak foi acometida por uma tragédia ambiental em 05 de novembro de 2015 quando ocorreu o rompimento da barragem de Fundão (das empresas Samarco, Vale e BHP Billiton) na cidade de Mariana, e o Rio Doce foi contaminado com rejeitos minerais. Devido às diversas invasões de seu território, na década de 1960 Ailton e seus parentes se viram obrigados a migrar em direção ao sul do país, primeiro para a região do Iguaçu, fronteira entre o Paraná e o Paraguai, e depois para São Paulo, onde ele concluiu seus estudos primários, formando-se posteriormente na área da comunicação.
As ideias e escritos de Ailton Krenak se alimentam dessas experiências, também das viagens realizadas ao redor do país, dos contatos que estabeleceu com outros coletivos indígenas, e dos diálogos que foi progressivamente travando com antropólogos e intelectuais no Brasil e no exterior. O processo histórico da colonização é problematizado por ele em textos como “O eterno retorno do encontro” (1999), “Do tempo” (2020) e “História indígena e o eterno retorno do encontro” (2012); também em entrevista concedida à Plataforma Entre-Entre em 2017, no capítulo “A questão indígena e a América Latina” do livro Encontros | Ailton Krenak (2015), no documentário Guerras do Brasil (2018) e na palestra no Museu de Arte de São Paulo, no MASP Seminários (2017), que obteve grande repercussão. O autor direciona ainda críticas aos princípios e ao funcionamento do Estado contemporâneo, compreendendo-o como herdeiro do colonialismo e fiel aos interesses das grandes corporações.
Em suas reflexões, Ailton Krenak questiona a separação entre natureza e cultura, que tende a prevalecer no pensamento não indígena; questiona assim a ideia de que os humanos seriam os únicos seres providos de subjetividade e criatividade. Além disso, aponta para hierarquizações existentes no interior da própria ideia de humanidade: a que se associa à cultura ocidental e capitalista e outra relativa a uma “sub-humanidade”, composta por aqueles que recusam essa forma de existir no mundo. A ideia de humanidade no singular é vista, assim, como uma abstração descarnada de qualquer realidade, que engendra desigualdades e privação de direitos. Nesse sentido, define o pensamento não indígena como antropocêntrico, por negligenciar os demais viventes.
© Ailton Krenak, Dantes Editora, 2023. © Pintura de Ehuana Yaira Yanomami.
Ailton Krenak associa áreas de conhecimento que tenderam a se separar, projetando a partir de suas elaborações sobre as sociedades não indígenas uma “contra-história” e uma “contra-antropologia”, nos termos do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro (1951-). Desse ângulo, endossa a ideia de que a humanidade imprimiu marcas profundas no planeta a ponto de inaugurar uma nova era geológica, sendo impossível pensá-la sem considerar a Terra como um organismo vivo que não pertence ao Homem. Com isso, lança uma agenda de pesquisas sobre a vida a partir das epistemes ameríndias, defendendo a construção de um conhecimento amparado na experiência do ser indígena; conhecimento que engendra a formulação de novas narrativas. Sua proposta de adiar o fim do mundo, por exemplo, está baseada na tese de que sempre é possível contar mais histórias e, com isso, intensificar as diversas formas de vida.
A trajetória de Ailton Krenak está marcada pela elaboração de livros, por intervenções públicas (seminários, palestras, aulas, lives, entrevistas, diálogos e conferências) e outras produções (artigos, prefácios e posfácios), além de intensa militância em prol dos direitos indígenas e socioambientais desde os anos 1970. Na década de 1980, apresentou o Programa de Índio, vinculado à Rádio da Universidade de São Paulo. Nesse período também participou da criação da União das Nações Indígenas (UNI), em 1980, e da organização, ao lado de Chico Mendes (1944-1988) e outras lideranças indígenas, da Aliança dos Povos da Floresta, em 1987. Esteve presente ainda, com outros líderes indígenas, na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, também conhecida como Rio-92 ou Eco 92. Entre os anos de 2003 e 2010 atuou como assessor especial para assuntos indígenas do Governo de Minas Gerais. Em 2016 e 2021 foi agraciado com os títulos de doutor honoris causa da Universidade Federal de Juiz de Fora e da Universidade de Brasília, respectivamente. Em 2020 recebeu o Troféu Juca Pato, concedido pela União Brasileira de Escritores (UBE). Em 2023 tomou posse na Academia Mineira de Letras e foi eleito membro imortal da Academia Brasileira de Letras, sendo o primeiro representante indígena a ocupar essas posições. No mesmo ano, realizou com a encenadora paulista Cibele Forjaz (1966-) uma nova montagem da ópera O Guarani (1870), de Carlos Gomes, com atores, músicos, cantores e artistas indígenas.
Na obra e atuação de Ailton Krenak observa-se a busca de realização de uma ponte entre os diversos saberes ancestrais e suas reverberações em outros modelos epistêmicos existentes no Brasil e fora dele. Entre os autores com os quais dialoga, destacam-se o xamã e líder yanomami Davi Kopenawa (1956-) e outros intelectuais indígenas que também problematizam o antropocentrismo do pensamento ocidental, tais como a antropóloga e curadora guarani nhandeva Sandra Benites (1975-), a escritora maxacali Cristine Takuá (1981-) e o cineasta guarani mbya Carlos Papá.
Como citar este verbete:
SILVA, Carolaine Nunes; CARVALHO, Rômulo Rossy Leal. “Ailton Krenak”. In: Enciclopédia de Antropologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de Antropologia, 2024. Disponível em: https://ea.fflch.usp.br/autor/ailton-krenak
ISSN: 2676-038X (online)
Carolaine Nunes Silva e Rômulo Rossy Leal Carvalho
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