Anna Lowenhaupt Tsing (1952-) é uma antropóloga estadunidense reconhecida por suas pesquisas transdisciplinares e contribuições metodológicas à antropologia contemporânea; trata-se de trabalhos que conjugam antropologia, artes, ecologia, sciences studies, estudos feministas e economia política. Sua trajetória é marcada pela busca ativa de “socialidades mais-que-humanas”, pela crítica ao excepcionalismo humano nas ciências humanas e à cisão entre ciências humanas e da natureza. Investigou fenômenos associados aos impactos das mudanças ambientais e do capitalismo, por meio de etnografias multiespécies, fazendo emergir eventos globais em contextos locais e situados. Mediante o que denomina, inspirada na história natural, artes de perceber o mundo (arts of noticing), que contempla uma atenção às relações entre espécies, a antropóloga defende um deslocamento epistêmico e descritivo na produção de conhecimento científico.
De família sino-americana, Anna Tsing graduou-se em antropologia (1973) na Universidade de Yale, obtendo os títulos de mestre (1976) e doutora (1984) da Universidade de Stanford, Estados Unidos. Antes de tornar-se professora titular na Universidade da Califórnia, em Santa Cruz, lecionou nas universidades do Colorado, em Boulder (1984-86), e de Massachusetts, em Amherst (1986-89), entre outras. Em seus primeiros trabalhos, na década de 1980, dedicou-se a pesquisas com os Dayak das florestas das montanhas Meratus, na ilha de Bornéu, Indonésia. Em In the realm of the diamond queen: marginality in and out-of-the-way place (1994) - fruto do doutorado que lhe rendeu o Prêmio Henry J. Benda em Estudos do Sudeste Asiático - realizou uma etnografia entre cultivadores itinerantes Dayak, em que revelou a construção da marginalização relacionada a desigualdades políticas, assimetrias de gênero e etnicidade, em diálogo com discussões sobre colonialidade. Um ano depois, escreveria com Paulla Ebron (1953-) o artigo “In dialogue?: Reading across minority discourses”, publicado na coletânea Women Writing Culture: anthropology and its other voices (1995), em que discutem, e combatem, tensões raciais que acometem pessoas afrodescendentes e asiáticas na produção acadêmica e literária norte-americana.
Em Friction: an ethnography of global connection (2004), que lhe agraciou o Prêmio de Livro Sênior da Sociedade Etnológica Americana, propôs as noções de “escalabilidade” e “fricção” para analisar certa noção homogênea e progressiva de globalização, e compreender os modos de aderência de noções universalistas a experiências situadas, a partir do caso de Bornéu. Mostra como, apesar de não partilharem o mesmo entendimento pretensamente universal de “natureza”, comunidades indígenas e movimentos ambientalistas urbanos associaram-se contra ameaças de destruição das florestas e territórios Dayak pela indústria madeireira. Friction é uma obra que inspira a pensar como atravessar escalas em etnografias sobre e no capitalismo.
Em O cogumelo no fim do mundo: sobre as possibilidades de vida nas ruínas do capitalismo (2015), a autora empreende mais uma etnografia das conexões globais no capitalismo, desta vez seguindo os trajetos dos cogumelos matsutake (Tricholoma matsutake), que vivem das relações simbióticas com raízes de árvores em paisagens florestais alteradas por humanos e não humanos ao redor do mundo. Inspirada nos debates ecológicos e na noção de “agenciamento” do filósofo francês Gilles Deleuze (1925-1995), Tsing compreende como perturbações em ecossistemas ajudam a constituir histórias de paisagens, “assembleias” de seres coordenados em dinâmicas abertas e contingentes. Propõe também a noção de “feralidade”, que diz respeito ao modo como seres prosperam sem serem domesticados; seres ferais, os cogumelos matsutake crescem em paisagens perturbadas, tanto nas florestas satoyama tradicionalmente manejadas no Japão como nas ruínas das plantations de florestas industriais no oeste dos Estados Unidos, onde são coletados por trabalhadores informais e imigrantes, ambos às margens do Estado de bem-estar social.
Os trabalhos de Anna Tsing estabelecem parcerias com artistas visuais, lideranças e ativistas indígenas, além de pesquisadores das humanidades e ciências biológicas. Tal disposição mostra-se no projeto transdisciplinar Aarhus University Research on the Anthropocene (AURA), na Dinamarca, que dirigiu entre 2013 e 2018, e que investigava paisagens contaminadas do Antropoceno, conceito que se refere à época atual em que a espécie humana se tornou agente geológico de mudanças globais. Além de vários artigos escritos em co-autoria, como “Gens: a Feminist Manifesto for the Study of Capitalism” (2015), com Laura Bear, Karen Ho e Sylvia Yanagisako, organizou a coletânea interdisciplinar e artística Arts of Living on a Damaged Planet (2016), com colegas do AURA, bem como o projeto online e colaborativo de cientistas, ativistas e artistas Feral Atlas: The More-Than-Human Anthropocene?, iniciado em 2021. Por meio de mapas interativos confeccionados por artistas visuais, a plataforma digital conta histórias de entidades não humanas que resistem e criam ecossistemas complexos em meio a projetos de infraestrutura industrial.
Em diálogo com os antropólogos Nils Bubandt (1964-) e Noboru Ishikawa, o biólogo Scott Gilbert (1949-), o geógrafo Kenneth Olwig (1946-) e a bióloga e filósofa Donna Haraway (1944-), Tsing ajudou a cunhar o termo “Plantationoceno”, que desdobra a ideia de Antropoceno, não para rejeitá-lo, mas para conceituá-lo como fragmentado, e para apontar a maneira como este conceito pauta os debates ecológicos a partir da noção de uma humanidade homogênea. O Plantationoceno faz referência a um sistema histórico de relações humanas e não humanas ancorado na monocultura (plantation), modo de produção que resulta na simplificação ecológica de paisagens e na substituição radical de modos de vida tradicionais por meio de regimes de disciplina e escravidão de comunidades humanas, animais e vegetais. As condições socioespaciais e históricas do Plantationceno pavimentaram, segundo ela, o caminho do capitalismo moderno, da industrialização e do próprio Antropoceno.
Em 2019, foi lançada a coletânea Viver nas ruínas: paisagens multiespécies no Antropoceno (2019), com a tradução de dez artigos de Anna Tsing, motivada por sua participação na VII Reunião de Antropologia da Ciência e da Tecnologia (ReACT), na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis. A repercussão de seus estudos na antropologia brasileira tem sido crescente em pesquisas sobre sociobiodiversidade e agrobiodiversidade de povos e comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas em diferentes biomas no Brasil, bem como em pesquisas sobre a formação de paisagens impactadas por projetos e empreendimentos industriais. Suas ideias reverberam nas de Elaine Gan, Marisol de la Cadena (1957-), Eduardo Viveiros de Castro (1951-), Mauro W. B. Almeida (1950-), Joana Cabral de Oliveira, Renzo Taddei e Thiago Mota Cardoso, entre muitos outros.
Como citar este verbete:
SABANAY, Frederico. “Anna Tsing”. In: Enciclopédia de Antropologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de Antropologia, 2025. Disponível em: https://ea.fflch.usp.br/autor/anna-tsing
ISSN: 2676-038X (online)
Frederico Sabanay
BEAR, Laura; HO, Karen; TSING, Anna Lowenhaupt & YANAGISAKO, Sylvia, “Gens: a Feminist Manifesto for the Study of Capitalism”, Cultural Anthropology, Editor's Forum Theorizing the Contemporary, 2015, https://culanth.org/fieldsights/gens-a-feminist-manifesto-for-the-study-of-capitalism
CABRAL, Joana de Oliveira, “Prefácio: Um encontro com O cogumelo no fim do mundo” In: TSING, Anna L. O cogumelo no fim do mundo: sobre as possibilidades de vida nas ruínas do capitalismo, São Paulo, N-1 edições, 2022
EBRON, Paulla & TSING, Anna L., “In dialogue? Reading across minority discourses” In BEHAR, Ruth & GORDON, Deborah (eds), Women writing culture, Berkeley, University of California Press, 1995
GAN, Elaine & TSING, Anna, "How things hold: A Diagram of Coordination in a Satoyama Forest", Social Analysis, vol. 62, no. 4, pp. 102–145, 2018
GONÇALVES BRITO, L., “Futuros possíveis dos mundos sociais mais que humanos: entrevista com Anna Tsing”, Horizontes Antropológicos [online], vol.27, no.60, pp.405-417, 2021
HARAWAY, Donna, “Antropoceno, capitaloceno, plantationoceno, chthuluceno: fazendo parentes”, ClimaCom, n. 5, abril, 2016
HARAWAY, Donna & TSING, Anna L., “Reflections on the Plantationocene: a conversation with Donna Haraway and Anna Tsing”, Moderada por Gregg Mitman, Edge Effects Magazine, The Center for Culture, History, and Environment in the Nelson Institute at the University of Wisconsin-Madison, 2019
HARAWAY, Donna, ISHIKAWA, Noboru, GILBERT, Scott F., OLWIG, Kenneth, TSING, Anna L. & BUBANDT, Nils, Anthropologists are talking – about the Anthropocene, Ethnos, 81:3, 535-564, 2016 DOI: 10.1080/00141844.2015.1105838
TSING, Anna L., In the Realm of the diamond queen: marginality in an out-of-the-way place, Princeton, Princeton University Press, 1993
TSING, Anna L., Friction: an ethnography of global connection, Princeton, Princeton University Press, 2005
TSING, Anna L., “Frictions”, In The Wiley-Blackwell Encyclopedia of Globalization, G. Ritzer (Ed.), 2012, https://doi.org/10.1002/9780470670590.wbeog222 (Trad. Bras. Letícia Cesarino, Blog do Sociofilo, 2018. Disponível em https://blogdolabemus.com/2018/11/12/verbete-friccao-atrito-por-anna-tsing/)
TSING, Anna L., The mushroom at the end of the world, Princeton, Princeton University Press, 2015 (Trad. Bras. Jorge Menna Barreto, Yudi Rafael, São Paulo, N-1 edições, 2022)
TSING, Anna L., Viver nas ruínas: paisagens multiespécies no Antropoceno, Thiago Mota Cardoso e Rafael Victorino Devos (orgs), Brasília, IEB Mil Folhas, 2019
TSING, Anna L., SWANSON, Heather, GAN, Elaine & BUBANDT, Nils, Arts of Living on a Damaged Planet: Ghosts and Monsters of the Anthropocene, University of Minnesota Press, 2017. http://www.jstor.org/stable/10.5749/j.ctt1qft070
TSING, Anna L., & LASSILA, Maija, “Interview with Anna Tsing”, Suomen Antropologi: Journal of the Finnish Anthropological Society, 42(1), 2017, 22–30 https://journal.fi/suomenantropologi/article/view/65083
TSING, Anna L., DEGER, Jennifer, SAXENA, Alder Keleman & ZHOU, Feifei. Feral Atlas: The More-Than-Human Anthropocene, Redwood City: Stanford University Press, 2021, http://doi.org/10.21627/2020fa