author
Zora Neale Hurston

Zora Neale Hurston (1891-1960) foi uma antropóloga, folclorista, escritora e dramaturga afroestadunidense. Nascida na cidade de Notasulga, Alabama, ainda na infância muda-se para Eatonville, Flórida, um dos mais antigos municípios negros dos Estados Unidos a ter um governo próprio.

Durante a década de 1920, transfere-se para Nova York, passando a frequentar os círculos de artistas negras e negros do bairro do Harlem, onde conhece o escritor Richard Bruce Nugent (1906-1987) e o poeta Langston Hughes (1902-1967); aí faria parte do Harlem Renaissance (ou New Negro), movimento responsável por propor outra imagem da população negra estadunidense nas artes: na literatura, na dança, teatro, música etc. Durante as décadas de 1920 e 1930, a produção de Hurston foi profícua, em especial no campo da literatura, indicam os diversos romances e contos que publicou, por exemplo Seus olhos viam Deus [Their eyes were watching god] (1937), Moses, Man of the Mountain (1939) e o conto “John Ridding Vai ao Mar” (1921).

Autoria desconhecida, Zora Hurston tocando um Hountar, 1937. Library of Congress (LC-USZ62-108549). Sem restrições de uso conhecidas.

A partir de 1917, ela retoma os estudos e ingressa nos cursos preparatórios para o ensino superior da Universidade Howard, um estabelecimento de ensino tradicionalmente negro, onde tem aulas com o linguista afroestadunidense Lorenzo Dow Turner (1890-1972). Posteriormente cursa antropologia no Barnard College, instituição da Universidade de Columbia, Nova York, reservada às mulheres; neste contexto conhece Franz Boas (1858-1942), formando-se como antropóloga em 1928. Durante seus estudos em Barnard, realiza pesquisas de campo no sul dos Estados Unidos, que resultaram em seu primeiro manuscrito, Barracoon: the story of the last “Black Cargo” , sobre as memórias e histórias de vida de Kossola Oluale [Cudjo Lewis], sobrevivente do último carregamento de escravizados africanos para o país – publicado postumamente apenas em 2018. Suas pesquisas sobre o que se entendia por folclore da população negra do sul dos Estados Unidos deram origem à coletânea de contos, sermões e músicas, intitulada Mules and Men (1935). Em 1936, Hurston embarca para o Caribe, passando pela Jamaica e Haiti, com o objetivo de pesquisar a cultura e as relações sociais na região. Tell my horse: vodu and life in Haiti and Jamaica (1938) é a obra resultante dessa experiência. Dividido em três partes, o estudo trata primeiramente da interlocução de Hurston com as comunidades jamaicanas de maroons (descendentes de libertos e fugitivos da escravidão durante o período colonial) e das relações estabelecidas a partir de diferenças de classe; além disso, examina processos de construção de identidade racial na sociedade jamaicana. A segunda e terceira partes da obra, por sua vez, são dedicadas à política haitiana, às práticas e às concepções do vodu.

Zora Neale Hurston, Tell my horse – voodoo life in Haiti and Jamaica

Hurston foi responsável por propor outro modo de se fazer e escrever antropologia, incorporando elementos de sua escrita literária e de sua experiência como mulher negra ao texto etnográfico. Em sentido inverso, trouxe para sua ficção aspectos do vodu e das narrativas orais das comunidades nas quais pesquisou. No campo do folclore e das culturas negras foi pioneira na afirmação de uma especificidade cultural oriunda da presença e retradução de aspectos culturais de origem africana, especialmente no sul dos Estados Unidos, o que chama a atenção para o seu lugar em um campo de estudos no qual seu nome esteve historicamente ausente – como no debate sobre as “sobrevivências” e os “africanismos”, conhecido a partir de antropólogos como Melville Herskovits (1895-1963). Tais considerações trazem à tona outros debates e posicionamentos no interior da história da antropologia, como aqueles sobre as contribuições culturais da população afroestadunidense à cultura “americana” e sobre as construções identitárias desta população, assim como, sobre os impactos do racismo científico nas retomadas históricas da disciplina.

No final da década de 1940, com dificuldade para publicar seus livros, Hurston cai em relativo esquecimento, passando o final da vida em uma casa de repouso (a partir de 1959 após sofrer um derrame) e falecendo em 1960, em decorrência de um ataque cardíaco. Foi enterrada em uma cova não identificada de um cemitério segregado no estado da Flórida. Em 1975, sua obra é recuperada por Alice Walker (1944-); é a partir do engajamento de Walker, autora de À procura de Zora (1975), e de escritores como Robert Hemenway (1941-2015) – que publicará uma biografia sobre ela em 1977 –, que a produção de Hurston, principalmente a literária, ganhará novas edições e se tornará mais acessível. Seu trabalho como antropóloga é retomado e discutido mais tarde na coletânea Women Writing Culture (1995), ao lado de antropólogas como Elsie Clews Parsons (1875-1941) e Barbara Myerhoff (1935-1985). No Brasil, sua obra vem ganhado notoriedade a partir de enfoques diversos, como nos debates sobre o cânone e nos esforços de reconhecimento da contribuição de intelectuais negras e negros para a história da antropologia e para as ciências sociais, o que vem sendo feito por Denise Ferreira Cruz, Messias Basques e Ana Gretel Echazú, entre outros.

Como citar este verbete:
LOURENÇO, Vanessa Cândida. “Zora Neale Hurston”. In: Enciclopédia de Antropologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de Antropologia, 2023. Disponível em: https://ea.fflch.usp.br/autor/zora-hurston

ISSN: 2676-038X (online)

[ Acesse aqui a versão em PDF ]

H
bibliography

BASQUES, Messias, “Diários de Antropologia Griô: etnografia e literatura na obra de Zora Hurston”, Revista AntHropológicas, UFPE, ano 23, 2019, p. 316-326

BEMERGUY, Telma, “Lendo Zora Hurston: a obra Mules and Men e sua relação com a teoria e a história da antropologia”, Cadernos de Campo, v. 30, n. 1, São Paulo, 2021, p. 1-25

ECHAZÚ, Ana Gretel et al., “FIRE!!! Textos escolhidos de Zora Neale Hurston”, Ayé: Revista de Antropologia, Número especial Fire!!! Textos escolhidos de Zora Neale Hurston, 2021

HEMENWAY, Robert E., Zora Neale Hurston: A Literary Biography, Chicago, University of Illinois Press, 1977

HURSTON, Zora, HURSTON, Zora Neale, Their eyes were watching God (1937), New York, Harper & Row (Trad. Bras. Marcos Santarrita, Rio de Janeiro, Record, 2002, 2a ed., 2021) 

HURSTON, Zora Neale,  “John Redding goes to sea” (1921) In: Zora Neale Hurston, novels & Stories, LOA, 1995, https://loa-shared.s3.amazonaws.com/static/pdf/Hurston_John_Redding.pdf (Trad. Bras., Escureceu, 2021, e-book. https://publisko.com/book/john-redding-vai-ao-mar-ebook-62170/authors)

HURSTON, Zora Neale, Barracoon: The Story of the Last "Black Cargo". Edited by Deborah G. Plant. New York, NY, Amistad Press, 2018 (Trad. Bras. Olualê Kossola: As palavras do último homem negro escravizado Bhuvi Libanio. Editora Record, 2021) 

HURSTON, Zora, “What white publishers won’t print” (1950) In: HURSTON, Z.N. I Love Myself when I Am Laughing... and then again when I am looking mean and impressive: a Zora Neale Hurston reader, New York, Feminist Press at Cuny, 1979 (Trad. Bras. e Introdução Messias Basques, Ayé: Revista de Antropologia, v. 1, n. 1, 2019) 

LOURENÇO, Vanessa Cândida, De objeto à sujeita: Zora Neale Hurston e os estudos da raça e da cultura no início do século XX, Dissertação de Mestrado – Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2023

WALKER, Alice, “In Search of Zora Neale Hurston” (1975), Ms. Magazine, p. 74-89 (Trad. Bras. Victória Barbosa e Ana Gretel Echazú Böschemeier, Ayé: Revista de Antropologia, Número especial Fire!!! Textos escolhidos de Zora Neale Hurston, 2021, p. 109-134)

WOBETO, Débora. “Fieldwork Footage: Descobrindo Zora Neale Hurston”,  Iluminuras, Porto Alegre, v. 21, n. 53, ago. 2020, p. 568-576