A regulamentação da relação entre os sexos (ou tabu do incesto), presente em todas as sociedades humanas e válida em todos os tempos, foi um grande problema das ciências sociais nos séculos XIX e XX. Claude Lévi-Strauss (1908-2009) se debruçou sobre a questão em As estruturas elementares do parentesco (1949), oferecendo uma nova chave explicativa que alteraria os estudos do parentesco ao considerar a proibição de relações sexuais entre membros de um mesmo grupo familiar um fenômeno simultaneamente natural e social. Esta regra universal redefine a unidade elementar – ou o átomo primordial – do parentesco, que não mais se confunde com a descendência e com a família elementar, como em Radcliffe-Brown (1881-1955), por exemplo, mas é centrada na aliança entre grupos. Às discussões sobre as trocas matrimoniais e o tabu do incesto associa-se uma teoria mais ampla do social, na esteira das teses de Marcel Mauss (1872-1950), no Ensaio sobre a dádiva (1924-1925): a troca é princípio de reciprocidade, sistema de obrigações mútuas que funda a sociedade. O parentesco revela-se então o sistema de reciprocidade por excelência que implica em dinâmicas ampliadas de trocas.
A defesa do caráter ambíguo da proibição do incesto, ao mesmo tempo natureza e cultura, leva Lévi-Strauss a refutar as explicações que enfatizam exclusivamente a face natural do fenômeno, como as de Lewis Morgan (1818-1881) e Edvard Westermarck (1862-1939), que alegavam incomprovados efeitos danosos dos casamentos consanguíneos e uma suposta “repugnância instintiva” causada pelo incesto. Descarta também as teorias de cunho sociológico – como as de John F. McLennan (1827-1881) e Émile Durkheim (1858-1917) – que o convertem em uma instituição. Afasta-se ainda da teoria de Sigmund Freud (1856-1939) em Totem e Tabu (1912) que buscaria circunscrever uma origem para o tabu a partir do mito do parricídio primitivo, da repressão aos impulsos e desejos no interior do grupo familiar (o que se relaciona às teses do autor sobre o complexo de Édipo).
Diante da massa de dados sobre padrões matrimoniais reunida por seus antecessores, Lévi-Strauss esteve atento não para a coleção de contextos etnográficos similares, mas para a regularidade e universalidade da proibição do incesto, que é tomada como premissa geral de sua interpretação, configurando um modelo dedutivo de análise. O autor conclui que, como lei universal, o tabu do incesto encontra-se no domínio da natureza; porém, como regras particulares, incide na cultura. Em seus termos, ele pode ser definido não apenas como a intersecção entre ambos os domínios, mas como “o processo pelo qual a natureza ultrapassa a si mesma”, inaugurando a própria cultura. A regra universal conservaria, ao mesmo tempo, um aspecto negativo e outro positivo: como lei natural, proíbe o casamento com membros de determinados grupos (consanguíneos); mas como regra, permite (e muitas vezes prescreve) a aliança com outro grupo de pessoas. A troca é, assim, um desdobramento lógico da regra universal da proibição do incesto, porque obriga os homens a procurarem potenciais mulheres fora de seu próprio grupo: a exogamia.
O tabu do incesto engendra duas modalidades possíveis da troca de mulheres. A troca restrita ou imediata, é exemplificada pelo casamento entre primos cruzados (com filhos do irmão da mãe ou da irmã do pai de ego, ponto de referência nas genealogias); aí, os cônjuges estão definidos e a troca garantida; já os primos paralelos, filhos da irmã da mãe ou do irmão do pai, são considerados irmãos e por isso cônjuges interditados. A distinção entre primos cruzados e primos paralelos define a organização dualista básica, modelo recorrente em diversos exemplos etnográficos. Na troca generalizada, por sua vez, um grupo A cede uma mulher para o grupo B, o grupo B para o C e assim sucessivamente. Os cônjuges, neste caso, não estão definidos e as trocas (segundo o modelo maussiano que compreende as obrigações de dar, receber e retribuir) mais incertas.
A teoria da aliança matrimonial de Lévi-Strauss, baseada no princípio da troca de mulheres, rendeu críticas de teóricas feministas nos anos 1970, por exemplo as de Gayle Rubin (1949-), ao que Lévi-Strauss responde, nas entrevistas em De perto e de longe (1988), ser indiferente trocar mulheres ou homens. As respostas rápidas do antropólogo encontram argumentação mais detida em autores como Louis Dumont (1911-1998), que aponta, em An introduction to two theories of social anthropology: descent groups and marriage alliance (1971), ter o vocabulário de parentesco utilizado por Lévi-Strauss um valor analítico; quer dizer: o princípio de reciprocidade delimita uma classe de pessoas com as quais o casamento é desejável, e não pessoas específicas. Assim, segundo Dumont, quando Lévi-Strauss se refere à regra universal da proibição do incesto, ele não está se referindo ao conteúdo do que é proibido, mas à existência de uma estrutura que regulamenta cônjuges desejáveis e indesejáveis.
Como citar este verbete:
HESSE, Roberta de Queiroz; FERNANDES, Maria Carolina. “Tabu do incesto - Claude Lévi-Strauss”. In: Enciclopédia de Antropologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de Antropologia, 2023. Disponível em: https://ea.fflch.usp.br/conceito/tabu-incesto-levi-strauss
ISSN: 2676-038X (online)
Roberta de Queiroz Hesse e Maria Carolina Fernandes
DUMONT, Louis, An introduction to two theories of social anthropology: descent groups and marriage alliance, New York, Berghahn, 1971
FREUD, Sigmund. Totem und Tabu. Eine Übereinstimmungen im Seelenleben der Wilden und der Neurotiker (1912), Internationaler Psychoanalytischer Verlag, 1920 (Trad. Bras. Paulo C. Souza. São Paulo, Companhia das Letras/Penguin, 2013).
LÉVI-STRAUSS, Claude, Les strutuctures élémentaires de la parenté. Paris, Presses Universitaires de France, 1949 (Trad. Bras. Mariano Ferreira, Vozes, Petrópolis, 2012, 5ª edição)
LÉVI-STRAUSS, Claude & Didier Eribon, De près et de loi : suivi de ‘Deux ans après’, Odile Jacob, 1988 (Trad. Bras. Lea Mello e Julieta Leite, São Paulo, Cosac Naify, 2005)
MAUSS, Marcel, Essai sur le don. Forme et raison de l’échange dans les sociétés archaïques, (1923-1924) Paris, Presses Universitaires de France, 2007 (Trad. Bras. Paulo Neves. São Paulo, Cosac Naify, 2003)