O antropólogo francês Claude Lévi-Strauss (1908-2009), precursor da chamada antropologia estrutural, é um dos pensadores mais influentes do século XX. Seus trabalhos, que tratam de temas como o parentesco, o totemismo e os mitos, marcam não só a antropologia, como um amplo espectro das ciências humanas e sociais: filosofia, psicanálise, estudos literários, entre outros. Inspirando-se nos métodos da linguística estrutural, sobretudo da fonologia, e adaptando-os a temas antropológicos clássicos, ele abre novos caminhos para reflexão e cria marcos teóricos para a disciplina: com suas teorias da troca e da aliança; suas críticas aos estudos correntes sobre o totemismo; sua análise dos mitos de acordo com o modelo da música. Ao longo de sua trajetória, busca decifrar os sistemas de parentesco, assim como os mecanismos de classificação do pensamento, as regularidades e transformações subjacentes às estruturas do espírito humano. Percorrendo um vasto material etnográfico, Lévi-Strauss coloca em evidência formas de organização social, de pensamento e conhecimento não ocidentais, introduzindo os povos americanos na paisagem teórica da disciplina.
Nascido em Bruxelas, mas criado em Paris, Lévi-Strauss estudou filosofia e direito na Universidade de Sorbonne. Em sua juventude, foi militante socialista e dentre suas principais influências estão a geologia, a psicanálise e o marxismo, suas “três amantes”, como afirma em Tristes Trópicos (1955). Após concluir suas formações, tornou-se professor de filosofia no ensino médio francês. Em 1933, teve seu primeiro contato com a antropologia por meio de Primitive society, de Robert Lowie (1883-1957). Em 1934, foi convidado a lecionar sociologia na Universidade de São Paulo (USP), Brasil, para onde embarcou, em 1935, com a filósofa e etnóloga Dina Dreyfus (1911-1999), sua então esposa, e outros nomes da segunda leva de professores da chamada “missão francesa”. Em 1935, tornou-se membro da Société des Américanistes e empreendeu sua primeira expedição no Brasil, entre os Kadiwéu e Bororo. Claude e Dina Lévi-Strauss, próximos ao poeta modernista Mário de Andrade (1893-1945), então diretor do Departamento de Cultura da cidade de São Paulo, participaram da criação da Sociedade de Etnografia e Folclore. Com apoio do Departamento de Cultura, em 1938, o casal Lévi-Strauss realizou uma segunda expedição, entre os Nambikwara e os Kagwahiva [Tupi-Kawahib], acompanhados, entre outros, pelo antropólogo brasileiro Luiz de Castro Faria (1913-2004). Tais encontros com os povos ameríndios do Brasil atravessaram toda sua carreira, como indicam os exemplos Bororo e Nambikwara, sistematicamente revisitados. Em março de 1939, retornaria à França.
Devido a Segunda Guerra Mundial, em 1941, refugiou-se nos Estados Unidos, onde colaborou com a fundação da École Libre des Hautes Études, com outros exilados europeus. Durante este período, Lévi-Strauss teve a oportunidade de conhecer grandes nomes da antropologia norte-americana, como Franz Boas (1858-1942), Robert Lowie, Alfred Kroeber (1876-1960) e Ruth Benedict (1887-1948). Além disso, descobriria a linguística estrutural por intermédio do linguista russo, também refugiado, Roman Jakobson (1896-1982). Lévi-Strauss inspirou-se nos trabalhos de Fernand Saussure (1857-1913), Roman Jakobson e Nikolay Trubetzkoy (1890-1938) para desenvolver suas próprias teorias e estabelecer o método estrutural na antropologia. Em 1945, após breve estada em Paris, retornou aos EUA, dando início à redação de sua tese principal As estruturas elementares do parentesco, defendida na Sorbonne ao lado da tese secundária La vie familiale et sociale des Indiens Nambikwara, de 1948. Um ano depois seria eleito para 5ª seção da École Pratique de Hautes Études. Em 1950, a convite de Alfred Métraux (1902-1963), realizou breve pesquisa de campo para a UNESCO sobre o ensino de ciências sociais no Paquistão.
Durante sua carreira, Lévi-Strauss reiterou ser a antropologia uma importante ferramenta para combater discriminações e promover um “humanismo generalizado”. Exemplo disso é o artigo “Raça e história” (1952), escrito a pedido da UNESCO, onde argumentou contra teorias evolucionistas, o racismo e qualquer tipo de hierarquia entre culturas – tal abordagem suscitou reações no cenário intelectual francês, com ataques de Maxime Rodison (1915-2004) e Roger Caillois (1913-1978). Nesse período, a encomenda de Jean Malaurie (1922-2024), diretor da coleção Terre Humaine, levou-o a escrever e publicar Tristes Trópicos (1955), no qual narra, em tom literário, suas experiências de viagens (também as brasileiras), e que o torna conhecido do público mais amplo. Em 1958, lançou a coletânea de artigos Antropologia Estrutural, onde nomeou e definiu as bases do método estrutural. Em 1959, com apoio de Maurice Merleau-Ponty (1908-1961), é eleito para a cadeira de antropologia social do Collège de France; no ano seguinte, funda o Laboratoire d’anthropologie sociale (LAS) e, em 1961, colabora com a criação da revista L'Homme.
© Jean Claude Bringuier, Télévision Française 1, Institut National de l'Audiovisuel.
Em 1962, Lévi-Strauss publicou dois livros complementares: O Totemismo Hoje e O Pensamento Selvagem; o primeiro, lido sobretudo nos círculos especializados, e o segundo, abrindo-se para áreas afins, como a filosofia. Estes trabalhos marcariam a mudança de seus interesses de estudo: dos modos de organização das sociedades para as formas de pensamento. Do volume sobre o pensamento selvagem fazem parte as críticas contundentes que teceu ao evolucionismo na antropologia e à filosofia histórica de Jean-Paul Sartre (1905-1980), que reverberaram em muitos campos. A partir de 1964, Lévi-Strauss inicia o período mais longo de sua carreira, dedicado ao estudo dos mitos. Por mais de vinte anos concentrou-se no projeto que se consolidaria com a tetralogia dedicada às mitologias americanas: publicadas a partir de 1964, as "grandes Mitológicas" estão compostas por: O cru e o cozido (1964), Do mel às cinzas (1966), A origem dos modos à mesa (1968) e O homem nu (1971). Estes volumes conhecerão desdobramentos em outras três publicações conhecidas como as "pequenas Mitológicas": A via das máscaras (1979), A oleira ciumenta (1985), História de lince (1991). Nessas obras de maturidade, a linguística se articula com a música, que servirá de modelo e inspiração para análise (da lógica) dos mitos, considerados em suas diferentes versões, em seus diálogos, séries e transformações através das Américas.
As formulações de Lévi-Strauss continuam inspirando, conhecendo leituras críticas e reinterpretações, dentro e fora da França, dentro e fora da antropologia. No mundo anglo-saxão, as teses do autor foram discutidas por Edmund Leach (1910-1989), em diversos trabalhos – por exemplo no volume As ideias de Lévi-Strauss (1973), e por Sherry Ortner (1941-). Marshall Sahlins (1930-2021), por sua vez, foi tocado de perto pelo pensamento do autor após o período francês (1967-1969). No campo da teoria feminista, a antropóloga e militante feminista estadunidense Gayle Rubin (1949-) é uma das pensadoras que teceu objeções à ideia da “troca de mulheres no parentesco”, defendida pelo autor na obra de 1949. Na antropologia francesa, o trabalho de Lévi-Strauss foi lido por diferentes gerações, reverberando nos trabalhos de Pierre Clastres (1934-1977), Françoise Héritier (1933-2017), Philippe Descola (1949-), entre outros. Na antropologia brasileira, as marcas de seus estudos sobre o parentesco e sobre os mitos podem ser aferidas em obras de Roberto DaMatta (1936-), Manuela Carneiro da Cunha (1943-), Eduardo Viveiros de Castro (1951-), de seus alunos e alunas.
Como citar este verbete:
CARVALHO DA SILVA, Jeferson; TUNÇBILEK, Şeyda Sevde. “Claude Lévi-Strauss”. In: Enciclopédia de Antropologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de Antropologia, 2025. Disponível em: https://ea.fflch.usp.br/autor/claude-levi-strauss
ISSN: 2676-038X (online)
Jeferson Carvalho da Silva e Şeyda Sevde Tunçbilek
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